Cinco letras de sucessos da MPB que dão caneladas nas regras da gramática
Canções de grande sucessos de artistas como Raul Seixas contêm erros variados, alguns até mesmo propositais
O roqueiro Raul Seixas tinha o hábito de fazer versões em português de músicas americanas sem dar o devido crédito aos autores da obra. Sempre que questionado sobre o hábito de fazer cópias descaradas, o cantor tentava se justificar com um discurso político terceiro-mundista. Para Raul, o “roubo” era uma vingança contra a dominância cultural dos Estados Unidos, uma forma de tirar uma “casquinha” da potência que sempre dominou corações e mentes das nações inferiores. Um dos grandes sucessos dele, Há Dez Mil Anos Atrás, obra assinada junto com Paulo Coelho que batizou o álbum homônimo lançado em 1976, é “inspirada” em I Was Born About Ten Thousand Years Ago, canção americana de domínio público que ficou famosa na interpretação de Elvis Presley.
Para além da questão do plágio, existe um outro problema com a música da parceria entre Raul Seixas e Paulo Coelho: Há Dez Mil Anos Atrás contém um erro gramatical. Como a forma “há” do verbo “haver” já indica um tempo passado, o complemento “atrás” é desnecessário, configurando redundância. Em outros termos, é um tipo de repetição que não agrega novos significados. Na gramática, o tropeço é chamado de “pleonasmo vicioso”. Confira aqui o clipe da música:
Outro sucesso de Raul Seixas, Metamorfose Ambulante, tem um tropeço gramatical que costuma passar despercebido, logo no refrão da música, que diz o seguinte: “Prefiro ser, essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. O problema está no verbo “preferir”. Segundo a norma gramatical, o verbo “preferir” rege a preposição “a”. No caso, portanto, está errado “do que”. O correto seria cantar: ‘Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo’”. Confira a música:
No campo dos sucessos populares, o cantor Amado Batista comete um deslize quando canta Não Quero Falar com Ela. Logo no começo, o intérprete assume o mood dor de cotovelo, derramando-se: “Entre eu e ela tá tudo acabado”. De acordo com os ouvidos mais sensíveis da gramática, foi uma bola fora, pois não cabe preposição diante do pronome “eu”. Dessa forma, Amado deveria confessar: “Entre mim e ela tá tudo acabado”.
Há casos de erros gramaticais feitos de propósito para enviar uma mensagem aos ouvintes ou emular um contexto específico relacionado ao tema da composição. No rock nacional, o grande caso de erro proposital é Inútil, do Ultraje a Rigor, cuja letra é construída toda em cima de atropelos de concordância: “A gente não sabemos tomar conta da gente. A gente não sabemos nem escovar os dente. Tem gringo pensando que nóis é indigente. Inútil! A gente somos inútil”. Essa foi a forma genial do autor da música, Roger, enfatizar a penúria de ser um brasileiro, inútil até na hora de acertar uma concordância.
Outro caso clássico de uma letra com uma sucessão de erros propositais é Tiro ao Álvaro, samba imortalizado num dueto entre Adoniran Barbosa e Elis Regina. O narrador canta com o sotaque misturado típico dos paulistanos mais humildes — “flechada” vira “frechada”, “revólver” vira “revorve” e assim por diante. A música foi lançada em 1973, mas acabou censurada pela ditadura, sob a seguinte alegação: “falta de gosto impede a liberação da letra”. A liberação ocorreu somente sete anos depois, quando se tornou um sucesso nas vozes de Adoniran e Elis.