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O Som e a Fúria

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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Cantor do Soft Cell diz a VEJA que “LGBTs devem combater mentes pequenas”

O britânico Marc Almond viveu a crise da Aids e foi pioneiro na luta contra a homofobia — no sábado, 18, se apresenta no Brasil pela primeira vez

Por Thiago Gelli Atualizado em 17 Maio 2024, 18h25 - Publicado em 17 Maio 2024, 15h41

Aos 66 anos, Marc Almond já acumula mais de 40 anos na indústria musical, mas não pretende parar por aí. Pioneiro obstinado na luta contra a homofobia e dono de uma carreira solo extensa — sob a qual lançou mais de 20 discos — o britânico se reuniu com o parceiro musical Dave Ball em 2019 e, desde então, tem retomado as atividades do duo Soft Cell, nome seminal do synth-pop que marcou o início dos anos 80 com as batidas eletrônicas do libidinoso Non-stop Erotic Cabaret (1981), cujo single Tainted Love jamais abandonou as rádios do mundo. Tendo lançado o disco Happiness Not Included em 2022, a dupla agora viaja o mundo para apresentar tanto canções novas quanto clássicas e pousa em São Paulo pela primeira vez neste sábado, 18 de maio, para show único no C6 Fest. Em entrevista a VEJA, o músico comenta as expectativas que tem sobre o país, a relação com seu trabalho mais antigo, a parceria longeva e suas memórias sobre a década de 1980, quando a crise da Aids freou a libertação sexual dos anos anteriores.

 

O senhor canta e repensa essas músicas há 40 anos. Como é evoluir junto ao trabalho ao longo de todo esse tempo? Como artista, continuo a usar quaisquer que sejam as ferramentas mais atuais que posso acessar — analógicas, digitais ou outrém. Mas elas são apenas ferramentas. No fim, a essência das músicas é a mesma. 

O senhor e o tecladista Dave Ball se separaram e voltaram ao Soft Cell algumas vezes. O que continua os unindo? Nos reunimos para celebrar os 40 anos de nossa primeira apresentação em 2019. A gravadora Universal Music estava organizando um box de nossos álbuns e parecia um bom momento para fazer um único show comemorativo. Não tínhamos planos para mais nada e a resposta fenomenal que tivemos nos pegou de surpresa. Aí, veio a pandemia e Dave me enviou um monte de faixas que amei. Comecei a compor sobre a paranoia e a insanidade dos tempos, a isolação e solidão. Sempre espero injetar humor ácido no que faço na banda. Continuamos assim e a BMG perguntou se gostaríamos de gravar um álbum e respondemos que sim, já tendo o material. No fim da pandemia, nós dois concluímos devermos permanecer abertos a mais oportunidades. Tenho sido feliz equilibrando o Soft Cell com meu trabalho solo. 

O disco Non-stop Erotic Cabaret foi lançado às vésperas da crise da Aids, que ameaçou erradicar o contato especialmente entre parceiros homossexuais. Como foi viver esse momento? Aquele álbum é repleto da energia da Londres de 1980, mas também da decadência social e da ascensão do conservadorismo. Também nos inspiramos em Nova York, onde o gravamos, e no tipo de sordidez, perigo e rebeldia que lá havia. Queríamos oferecer uma espiada por trás das cortinas. A Aids era uma nova notícia na semana em que começamos a gravar e sequer tinha um nome. A vida gay ainda era bem selvagem, mas isso começou a passar. Nas minhas próximas visitas à cidade, notei que a doença começara a permear e devastar tanto a própria metrópole quanto a comunidade gay. Os gays eram muito maltratados e insultados, assim como em Londres. Muito que havia sido ganho foi perdido de um dia para o outro. As pessoas entraram em pânico.

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Quarenta anos depois, veio a pandemia do Covid-19 e, junto à nova força da direita na cultura, uma onda puritana parece ter sido estimulada. Hoje, você se sente tão rebelde quanto lá atrás?  Tainted Love sempre vai me fazer pensar na Nova York de 1981, na cúspide da crise da Aids, o último respiro antes do mergulho. Tantas memórias incríveis e tristes se misturam. Até a ironia do título da música não me escapa. Falamos de alinhamento de estrelas, de instantes em que tudo se encaixa, assim penso sobre as polaroides que tirei com Divine e Andy Warhol, sobre frequentar o Studio 54 e tomar ecstasy ao sair com Sylvester, sobre dançar a noite toda e ver o Sol nascer pelas janelas do bar Rainbow Room nas Torres Gêmeas. Agora são só memórias. Nova York, como o resto do mundo, mudou demais. Tudo é quase irreconhecível.

O senhor já disse considerar que a separação de letras na sigla LGBT+ provoca um distanciamento entre seus integrantes. Na sua visão, como a comunidade pode se unir novamente? 

Acho que a pioneira ativista trans Marsha P. Johnson estava certa quando disse que “se uma travesti não se levanta e diz ter orgulho de ser gay e travesti, então ninguém vai se erguer e dizê-lo por ela”. Como artista, sempre tento me apresentar em eventos ligados ao orgulho gay em lugares onde a comunidade LGBT está nas trincheiras — é fácil ser verdadeiro a si em países tolerantes, mas existem lugares em que não ser heterossexual ou cisgênero ainda é um desafio amedrontador.

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Em seu disco mais recente, Happiness Not Included, a música Purple Zone conta com participação dos Pet Shop Boys, outro duo icônico do synth-pop. O quão importante tem sido o companheirismo em sua carreira? A parceria com os Pet Shop Boys é mais um apoio do que importante. O Soft Cell sempre esteve à frente, e estabeleceu tendências também para o PSB. Fomos o duo eletrônico mais influente do Reino Unido e eles foram os mais bem-sucedidos, mas admitem que abrimos a porta. Demoramos quase 30 anos para fazer uma música juntos. Eles vieram assistir ao nosso show em Hammersmith e gostaram de Purple Zone. Enviamos a faixa para eles no dia seguinte e, logo depois, recebemos uma versão brilhante de volta. Eles mixaram a música e Neil Tennant já tinha acrescentado seus vocais. O resultado levou a canção para outro patamar, atingimos a primeira posição em algumas paradas por conta do toque de ouro deles — mas não colaboramos presencialmente, apenas à distância — fora a filmagem do videoclipe. Alguém me perguntou recentemente o que é a tal “zona roxa” da música e respondi: “Você está nela”. É essa loucura em que nos situamos. 

Essa é sua primeira vez no Brasil, país que tem a maior parada LGBT+ do mundo, mas que também demonstra números grandes de agressão contra pessoas da comunidade. Como o senhor pensa contradições como essa?  Existe tanto caos no mundo de hoje que é difícil processar tudo, mas, como diz Madonna em Music, “a música faz as pessoas se unirem”. Temos que nos manter firmes em tempos como esse. Somos um povo só e temos que combater as mentes pequenas e o preconceito ignorante. Estou muito animado para visitar o Brasil, toda pessoa de lá que conheci é generosa, aberta e ama diversão. 

O que as pessoas podem esperar do show? Estamos muito animados. Apresentaremos muitos hits, temos algumas surpresas planejadas e queremos nos divertir. Quero que o show seja uma celebração de que, por algum motivo, ainda estamos aqui. Todos nós.

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