Em dezembro do ano passado, Augusto Kesrouani Nascimento ajudou a realizar um sonho de infância do pai: conhecer o ídolo Paul McCartney. Filho, empresário e único herdeiro do cantor Milton Nascimento, ele foi responsável por organizar o tão desejado encontro. Durante a passagem da turnê do ex-beatle pelo país, Milton, ídolo de milhões de brasileiros, se viu na posição de fã e presenteou-o com o álbum Milton (1970) — que traz a canção Para Lennon e McCartney no repertório. Ao se despedir, Paul surpreendeu com um comentário que parafraseava a letra de um sucesso de Milton, Canção da América: “Um amigo me ensinou que irmãos se despedem encostando coração com coração”, disse. Admirar os Beatles foi uma das inúmeras lições que Augusto, 30 anos, aprendeu com o pai. Hoje, ele tem uma tatuagem no braço com a cena do quarteto atravessando a faixa de pedestres de Abbey Road — porém, com um “quinto beatle” compondo a imagem. É a silhueta do paizão Milton, claro, que também aparece no disco Encontros e Despedidas (1985).
Travessia: A vida de Milton Nascimento
O encontro com McCartney foi cheio de simbolismo, mas nem de longe o desejo mais importante que Augusto realizou para o pai. Milton, que nunca escondeu o sonho da paternidade, conta que o dia mais feliz da vida ocorreu em 2017, quando saiu a certidão de adoção e Augusto se tornou oficialmente um Nascimento (documento, aliás, que o cantor tem emoldurado ao lado de sua cama). “Augustinho, como filho e empresário, foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”, disse Milton a VEJA.
Augusto viu Milton pela primeira vez aos 13 anos, em Juiz de Fora (MG). Na ocasião, o artista visitava um casal de amigos e o menino era colega dos filhos desse casal. Na época, ele vivia com a mãe, a paulista Sandra, de 58, e não tinha contato com o pai biológico. Milton logo se afeiçoou pelo garoto. “A primeira vez que tive algum esboço de uma figura paterna foi quando Milton me disse: ‘Se você fosse meu filho e não falasse comigo, eu me mataria’”, lembra. A partir dali, os dois se tornaram próximos. A relação se estreitou ainda mais em 2014, quando Milton ficou internado entre a vida e a morte em razão da diabetes e da depressão, e pediu que Augusto ficasse a seu lado. “Na época, eu ainda estava na faculdade. Lembro de pegar o carro e ir ao Rio para ficar ao lado dele. Ele olhou para mim e disse: ‘Você veio’.” Hoje, Augusto vive com o pai no mesmo Rio, mas mantém contato próximo com a mãe, que mora em Cuiabá, e também com os avós, que vivem em Campo Grande. “Meu pai sabe mais dos meus avós que eu. Eles se falam sempre por telefone.”
Milton Nascimento, LP Duplo Clube Da Esquina 2
Como a adoção se deu quando Augusto já era maior de idade, em 2017, o processo independeu de autorização da mãe. Pela lei, a adoção nesses casos pode ser pedida à Justiça quando há concordância das duas partes e mediante requisitos como terem relação de pai e filho, viverem na mesma casa e não haver vínculo sexual. Na prática, Augusto manteve o nome da mãe em seus documentos, mas trocou o pai biológico por Milton — expediente que lhe garante o direito à herança do cantor. No início do processo, porém, o afeto entre ambos rendeu comentários maldosos nas redes sociais, de que eles seriam na verdade namorados. Augusto vê os boatos com indignação. “Dia desses, um cara comentou numa foto minha e do meu pai na praia: ‘Filho? Sei…’. Respondi: ‘Filho, sim. E espera o processo que vou mover contra você’”, desabafa.
No campo profissional, Augusto é advogado especializado em direitos autorais e assumiu há alguns anos a administração do repertório do pai. Ele percebeu que Milton, hoje aos 81, tinha sido bastante explorado na carreira e precisava de uma pessoa que dissesse “não” por ele. “Agora, sempre que alguém pede algo, meu pai diz: ‘Isso é com o Augustinho’, e avaliamos. Meu pai sempre esteve focado em cantar, e não em cuidar das finanças”, conta. Sócio na empresa Nascimento Música, Augusto expandiu sua atuação para além dos direitos autorais, tornando-se também empresário musical. “Uma profissão que jamais pensei em assumir”, diz ele.
Desde então, produziu a bem-sucedida turnê de despedida de Milton, em 2022, mérito que faz questão de dividir com o amigo e braço direito, Raphael Avelar, o Pulga. Entre outras coisas, Augusto ajudou a rejuvenescer a imagem do pai entre as novas gerações nas redes sociais, valorizando também seu antigo grupo, o Clube da Esquina. “Decidi mostrar como ele é: um vovozinho fofo que adora viajar, ver novelas, falar ao telefone e ouvir Beatles”, diz. Deu certo: o público de Milton nunca foi tão jovem e os streamings nunca estiveram tão altos.
Agora, ele encara novos projetos, ao empresariar artistas como Samuel Rosa, Maria Gadú e Simone — seguindo a mesma linha de proximidade que tem com o pai. Na semana passada, levou Simone, a quem chama de filho, para treinar jiu-jítsu. “Fico muito feliz vendo o Augustinho divulgar a obra do Bituca e trabalhando comigo para mostrar nossa música para as novas gerações”, elogia Simone, referindo-se a Milton pelo apelido. Com Samuel Rosa, a relação é de amizade respeitosa. “Até hoje não me acostumei quando Samuel me liga no celular”, diz ele, enquanto prepara o novo show solo do ex-Skank. Com as bênçãos do pai, Augustinho voa longe.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878