A entrevista de Bruno Borges ao Fantástico valeu por uma confissão de que o seu sumiço não passou de uma jogada de marketing — ou golpe publicitário, como se dizia antigamente.
— Meu maior objetivo com esse projeto — declarou o rapaz — foi estimular as pessoas a adquirirem conhecimento.
Ele se arrepende de ter causado dor à família, mas dá a entender que, no fim das contas, tudo se fez necessário para o cumprimento de uma missão confusamente relacionada a misticismos e esoterismos.
TAC – Teoria da Absorção do Conhecimento, primeiro dos 14 livros que deixou escritos em código, foi publicado e chegou à lista dos mais vendidos, apesar de ser uma xaropada repleta de redundâncias e falhas gramaticais, isso pra não falar na megalomania das questões propostas — qual o sentido da vida? — e nos cansativos clichês de autoajuda.
Atenção: esta não é a opinião de um crítico solitário e pé-no-saco.
Basta acessar as redes sociais para conferir que quase ninguém engoliu o livro. O menino do Acre não poderá dizer, como Paulo Coelho, que é odiado pela crítica e amado pelo público. Talvez pense que seja algum tipo de gênio tropical. A verdade é que não passa de um moleque mimado que foi longe demais em seu devaneio.
Mesmo assim não há motivo para criticar ou lamentar o desaparecimento de Bruno. Não deixa de ser divertida a maneira como mobilizou a mídia e reuniu os telespectadores em torno de um mistério que teve final feliz. A polícia também não vê crimes no caso, sinal de que a história se resume a uma trampolinagem inconsequente.
Então está tudo bem, né?
Nem tanto.
O golpe publicitário toca um problema que certamente não passou pela cabeça de Bruno quando resolveu fazer o que fez. Ele não devia ter armado o seu teatrinho ao redor de livros e, principalmente, não devia ter declarado, ao voltar, que sua causa surgiu para difundir o conhecimento (assim, no genérico, para além dos seus interesses).
Ainda hoje, para a imensa maioria dos brasileiros, livros são artefatos de gente doida, confusa, infeliz e esquizofrênica, ou seja, a própria fisionomia que o moleque mostrou na televisão. Em vez de difundir o conhecimento, como disse, o que Bruno fez foi reforçar estereótipos que continuam arraigados no imaginário nacional.
Por incrível que pareça, muita gente ainda encara os livros com medo e desconfiança. “Leu tanto que ficou louco” ou “ler é coisa de rico imoral” são ideias comuns nas periferias do país. Alguém que põe uma estátua no quarto e enche as paredes de inscrições não está melhorando a situação. Pelo contrário, está apenas aprofundando a bibliofobia em que vivemos desde o período colonial.
“Isso é coisa do capeta!”, podemos ler nas redes sociais.
O “isso” se refere ao tom esotérico do caso e à baboseria mística, mas também, tristemente, aos livros, à leitura e ao tal do conhecimento. “Além de dar trabalho e me fazer pensar — uma atividade que dói —, os livros ainda podem me transformar num maluco como aquele de Rio Branco. Tô fora!”
Felizmente existe um movimento espontâneo de valorização da leitura que nasceu com a internet e está gerando frutos através de blogs, vlogs, fóruns e painéis dedicados à discussão de livros. Tudo é feito por pessoas jovens — meninas em sua maioria — capazes de mostrar que a leitura é sim um passatempo saudável e divertido, uma prática esclarecedora que nos ensina a abrir os olhos para o mundo, e não o seu oposto sombrio, sisudo, alienante — coisa de gente que requer acompanhamento psiquiátrico.
O menino do Acre perdeu uma excelente oportunidade de colaborar com esse movimento. Tudo o que tinha a fazer era não misturar os livros com o seu narcisismo.