É espantosa, nas redes sociais, a quantidade de compartilhamentos de alerta contra determinados filmes ou livros que estão circulando no mercado cultural brasileiro.
As crianças não deveriam ler ou assistir tais porcarias porque elas estariam propagando ideias marxistas, libertinas ou mesmo satânicas. Esse tipo de mensagem costuma ser “autorizada” por instituições como o Vaticano, que reconheceria a perversidade das obras e o mal que elas estariam causando à sociedade.
É uma velha ladainha que não cansa de se repetir. A caça às bruxas já acontecia na época do Sítio do Pica-pau Amarelo, muito antes de seu autor ser acusado de racismo. Durante o Estado Novo, Monteiro Lobato foi queimadíssimo em praça pública. Tudo por causa da Emília, a boneca arteira que enchia as cabecinhas das crianças de perguntas e caraminholas.
Ignorância à parte, esse tipo de censura acontece porque as instituições estabelecidas abominam ideias que possam soar diferentes das que sustentam para explicar o mundo e a vida. Para que não floresçam nas mentes e no cotidiano das novas gerações, é necessário escorraçar, ridicularizar e demonizar todas as manifestações contrárias ao ponto de vista da “nossa tribo”.
Basta observar a homilia de um padre vaticanista, a ferocidade de um internauta de direita ou a indignação de um professor de esquerda. “Querem destruir a família”, “que os militares domem essa corja” ou “venderam-se ao mercado” são formas gratuitas de desqualificar o discurso alheio. Dão a entender que o mundo se divide em apenas dois times, o NÓS e o ELES, sendo que o NÓS é sempre do Bem, de Deus, da Liberdade, e o ELES é sempre do mal, do demônio e da opressão.
Quando livre e realmente diversificada, a prática da leitura põe esse maniqueísmo em xeque, faz com que pensemos sobre nossa condição e sobre o que ouvimos de professores, governantes e influenciadores digitais. Resta saber se de fato queremos que nossos filhos leiam em plenitude e cresçam intelectualmente. Todos falamos de boca cheia na importância da leitura e da cidadania, mas alguma coisa deve estar errada com esses conceitos, caso contrário não haveria tantas propostas de censura sendo acatadas e divulgadas pela internet afora.
Embora saibamos que a saída está na democracia e na pluralidade, sempre corremos o risco de pronunciar palavras vazias. O que não dá para aceitar é essa quantidade absurda de mensagens propondo a censura de produtos culturais, iniciativas que partem de lado a lado, da esquerda e da direita, de conservadores e progressistas. Uma coisa é criticar tal autor ou tal linha de pensamento (o que é plenamente produtivo e bem-vindo), outra bem diferente é ressuscitar o INDEX para garantir que uma determinada visão de mundo seja única e incontestável.