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O Leitor

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A Língua Portuguesa é inculta, bela e… contaminada!

Longe de sinalizar a decadência da língua, os empréstimos vocabulares aí estão para demonstrar a vitalidade do diálogo que sustentamos com outras culturas

Por Maicon Tenfen Atualizado em 29 ago 2018, 00h20 - Publicado em 28 ago 2018, 23h27

Imagine-se abrindo o jornal e lendo a seguinte nota:

“Devido ao ancenúbio dos preconícios, um runimol de ludâmbulos, ainda que na estação dos focales, chegou em busca de festas e convescotes”.

De duas, uma: ou você se achará o menos preparado dos leitores, ou ficará fulo da vida com o alvissareiro, quer dizer, o repórter que escreveu tamanha bobagem. Todavia, embora o texto pareça redigido em outra língua, é justamente o contrário que aconteceu, porquanto o redator abriu mão de escrever em francês.

Francês? Como assim?

Como se sabe, até o fim da Segunda Guerra Mundial, ou mesmo um pouco depois, a língua da moda era o francês. Muitas das palavras que usamos cotidianamente têm origem no idioma de Flaubert. É o caso, por exemplo, de garagem, sutiã, champanhe e vitrine. Foram absorvidas de tal forma que ninguém mais se dá conta de estar usando antigos galicismos, até porque a “ameaça” do momento, segundo os puristas de maior escândalo, é a invasão dos vocábulos ingleses.

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No final do século XIX, um certo Antônio de Castro Lopes, médico e latinista empedernido, levantou-se contra os vírus “francelhos” que contaminavam o idioma pátrio. Neologismos Indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis era o título do pequeno livro em que propunha a supressão de estrangeirismos em favor de palavras comprovadamente extraídas do latim.

Dessa forma, deveríamos usar ancenúbio em vez de nuance, preconício em vez de reclame (publicidade), runimol em vez de avalanche, ludâmbulo em vez de turista, focale em vez de cachecol e convescote em vez de piquenique (creio que com este sumário será possível “traduzir” a nota acima).

E a lista continua. Abajur, por exemplo: lucivéu. Chalé: castelete. Feérico: fatídico. Pince-nez: nasóculos. No lugar de massagem, o latinista exigia premagem, o que sugere um ato menos gostoso e mais proibido. Para resumir, Castro Lopes era um doido.

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Prepotente, tentou pôr freios no bicho mais xucro e imprevisível de que se tem notícia: a última flor do Lácio, uma língua viva, dinâmica e falada por milhões de pessoas. A única virtude dessa intervenção oficialiesca nos falares do brasileiro é não ter acabado em tragédia, como costume, mas em piada. Ao contrário do que dizem os xenófobos e alarmistas em geral, a língua portuguesa não está e nunca esteve em perigo.

Longe de sinalizar a decadência da língua, os empréstimos vocabulares aí estão para demonstrar a vitalidade do diálogo que sustentamos com outras culturas. Tupi or not tupi, that is the question. Assim como chauffeur virou chofer, football virou futebol. E shampoo, xampu. Cheese-burger – eis um ótimo exemplo de antropofagia oswaldiana – deu origem ao selvagem X-Salada que balança o totem nos cartazes das lanchonetes, ou melhor, das casas de pasto Brasil afora. Há até quem diga que mouse, o camundongo tecnológico, logo aparecerá em algum dicionário como mause.

Como se pode notar, há certos problemas da língua que só a língua, em sua rebeldia intrínseca, pode resolver. Por isso os Castros, os Lopes e as suas imposições de gabinete devem ficar em off. O melhor que podem fazer pela nossa língua é deixar que ela caminhe com as próprias papas.

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