O “efeito tempo” em chocolates e torcidas
Comentarista do Futuro vai à final do Brasileiro de 1988 e dá ‘spoilers’ aos leitores da época sobre o que vai crescer... e diminuir, até 2021
Tenho aproveitado as viagens pelo tempo para conferir, além de grandes partidas, certas suspeitas que me afligem em 2021, de “quando” venho: se é apenas impressão minha ou reduziram mesmo em tamanho produtos que no próximo século ainda estarão nas prateleiras para os consumidores brasileiros. As barras de chocolate ‘Chokito’ e ‘Prestígio’, por exemplo. Ou a pastilha ‘Halls’. A lista é grande. A fatia dos pães de forma, o tablete de paçoquinha, os sanduíches do ‘Bob’s’, a caixa de bombons ‘Garoto’ … Daí a dica, queridos leitores deste final de década: aproveitem, pois tudo isso (e muito mais) vai realmente encolher com o passar dos anos. Quando você se der conta… Fiiiiiiiiiiiiiiiuuuuu…. Mingou. Já torcidas de futebol, revelo, não diminuem. Mesmo com o blábláblá eterno de que o interesse pelo esporte está morrendo (falam assim do samba e ele segue firme e forte no futuro!), as pesquisas sobre quantidade de torcedores (ok, serão suspeitas também) vão sempre apontar pra cima. Nos gráficos, sacou? Duas das maiores galeras do país, do Bahia e do Internacional, se enfrentaram ontem no Beira-Rio pelo título Brasileiro de 1988, a Copa União. Deu Bahia, em jogo com futebol pequenininho também. Venceu, mas com um 0 x 0. Ou seja: ninguém “tomou um chocolate”.
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Mas de onde este “azoado” (maluco, em baianês), que diz ter vindo do futuro, tirou esta ideia de associar a final de ontem com chocolate? Oxente, abestalhado! Esqueceu que a Bahia é a melhor terra do mundo pra se plantar Cacau? “Ó pai ó” … “Pega a visão”: o mundo vai ficar cada vez mais loucão, e os sinais já estão por aí, pra quem quiser ver. Afinal, tivemos ou não a finalíssima do Brasileirão de 1988 em fevereiro de 1989? E um ano após aquela barafunda entre Flamengo e Sport, polêmica que acabará, acreditem, no STF, que, somente daqui a quase um quarto de século, vai referendar judicialmente o título do clube pernambucano _ mas em 2021 ainda terá gente contabilizando a conquista como rubro-negra. O triunfo do tricolor baiano ontem é indiscutível. E não importa que tenha vencido apenas 13 dos 29 jogos (11 empates e 5 derrotas). E muito menos que sejam do Inter o melhor ataque (35 gols) e o artilheiro, Nílson (15). Disputa por pontos corridos é coisa de europeu, certo? No Brasil, “só quando a galinha nascer dente” (outra da terrinha!). Qual nada, será adotado no nosso quintal a partir de 2003, viu? Assim, enquanto é possível, divirtam-se com os emocionantes mata-mata das finais. E com as barras de chocolate maiores, claro. Olha ele aí de novo.
Nem tudo que diminui fica pior. A CBF limitou a 24 o número de times este ano e ninguém tem do que reclamar. Ano que vem reduz mais um pouco, chegando a 20, e desse tamanho estará em 2021. Estreamos ainda, finalmente, um sistema de acesso e descenso. Estão subindo para a elite dois clubes, Internacional de Limeira e Náutico, e caindo quatro, dois deles do Rio: América e Bangu _ Xiiiiiiiiii! Não sou “queixo de cimento”, mas esquece aquele negócio que escrevi lá em cima, de que torcidas de futebol não diminuem… O que aumentou, todo mundo sabe, foi o número de pontos ganhos por vitórias, de 2 para 3. Revelo a vocês que na próxima disputa vai cair. Mas volta em definitivo a partir de 1995, não pelo bom senso, ordem da Fifa. Já esse troço de empate valer 1 ponto pra cada e outro extra disputado em série de pênaltis… Quem é o autor dessa ideia? Não falei que o mundo tá ficando doido? O chocolate pode até ser meio amargo, mas o futebol não!
Vou fazer como os empresários gananciosos que, “na cocó” (surdina), reduzirão o tamanho dos produtos: diminuir a quantidade de informações sobre a final de ontem. Vendo na TV a festa em Salvador, peguei um chocolate “Surpresa” na geladeira do hotel e pus me a reunir dados sobre as torcidas brasileiras no futuro. Nesse assunto, vocês sabem, o Flamengo é o “Diamante Negro” da parada (aqui é carioquês mesmo!) _ o mais querido e amado. Em 2021, de “quando venho”, não será diferente. O passar dos anos fará a legião de flamenguistas crescer, variando _ dependendo do instituto de pesquisa _ entre 17% e 20% de presença nos corações do país. Considerando-se os dados de todos os seus Estados, será apontado como a maior torcida da Região Nordeste. E num ranking organizado pela Fifa, a maior do mundo! A chamada “Nação”, com a soberba de sempre, vai tripudiar: “Nove a cada dez pessoas gostam do Flamengo (e chocolate). A décima com certeza está mentindo!”
Não é bem assim. Flamengo e Corinthians (que a propósito se manterá em segundo lugar, com algo entre 12% e 14% dos torcedores brasileiros) serão também líderes em outro ranking, o dos clubes mais odiados. Por que isso? Chocolate é a resposta, não importa a pergunta (esse provérbio é clássico!). O bicampeão brasileiro Bahia (1959 e 1988) chegará a 2021 ainda à frente do rival Vitória, por margem pequena, mas atrás do Sport, de Recife, como maior torcida do Norte e Nordeste. Ou segunda maior, se estiverem corretas as pesquisas (Flamengo em 1º). A partir de 1993, serão muitos e sortidos os estudos sobre o tamanho das paixões no futebol. E no frigir dos ovos (de Páscoa!), nenhum clube verificará variação significativa em 28 anos de verificações. Seguidas temporadas vitoriosas vão provocar crescimento (o São Paulo vai viver isso, aguardem) ou, caso inverso, redução, quando muitos forem os anos do time em baixa, com rebaixamentos pra Série B, por exemplo. Mas nada que abale um gigante como o Vasco da Gama, que seguirá em quinto lugar (com Cruzeiro e Grêmio) entre os mais queridos. E vai aqui um ‘spoiler’ dos bons: em 2021, vascaínos e cruzeirenses estarão na briga pelo primeiro lugar em fidelidade de seus torcedores, pela intimidade que vão adquirir com a segunda divisão. Mas não se desesperem, torcedores: “Não existe dor que o chocolate não cure”.
Antes de terminar essa resenha achocolatada, preciso adoçá-la falando sobre como foi épico este título do Bahia, 30 anos depois do triunfo de 1959. E que ninguém venha dizer que aquele foi maior, por ter sido conquistado sobre o Santos de Pelé e levado o tricolor a ser o primeiro clube brasileiro a disputar a Libertadores da América. “Faça-me uma garapa!” Ontem, apesar do empate sem gols, o time do artilheiro Charles esteve melhor, principalmente no segundo tempo. E no primeiro jogo da final, dia 15, na Fonte Nova, o “Esquadrão de Aço” quebrou o tabu de jamais ter vencido o Colorado em partidas oficiais. E ganhou de virada, assim como na semifinal contra o Fluminense. E com dois gols de Bobô! _ esse sabe “bater uma baba”! Quem não amou ver a elegância sutil de Bobô? Bonito, isso. Dá até letra de música, vou mandar para algum dos baianos da MPB. Ou pro Tim Maia, autor do maior hit já feito para os viciados. Isto é, para os chocólatras.
Foi muito bom voltar até este Brasil de moeda revigorada, o Cruzado Novo, e Constituição recentemente promulgada. Uma nação feliz, que canta “Ilariê” da Xuxa, ainda festeja o primeiro título do Ayrton e este ano vai votar pra Presidente pela primeira vez desde 1960. A propósito, ignorem candidatos mauricinhos! Ah, e façam o Raul Seixas parar de se destruir! Sobre o futuro, nesse tal mundo doido de que já falei, devo ainda contar que todos sofreremos (e também aproveitaremos) o impacto de duas expressões de que vocês ainda não devem ter ouvido falar: “rede social” (uma espécie de “mesa redonda” de todos os seres vivos na internet, esse treco que ano passado chegou ao Brasil) e “globalização”, termo que é filhote dos anos 80. Os dois estarão por trás de mudanças no futebol. Calma, vou explicar. Tudo é uma questão de lógica, como ensina a sabedoria popular: “Chocolate vem do cacau, que vem de uma árvore, que é uma planta. Então, chocolate é salada!”
Bem, no próximo século, existirão outros indicadores para medir o tamanho das torcidas além das pesquisas: a quantidade de pessoas dentro da “rede social” do clube. Deu pra entender? Deixa pra lá, então, até porque os números aferidos nesses novos universos, da internet, serão praticamente um espelho das pesquisas: Flamengo e Corinthians na ponta; Bahia na 14º posição; Inter em 9º. Se não estou sendo didático o suficiente, queridos leitores de 1989, paciência. Em matéria de ser sempre (e por todos) compreendido, sigo outro provérbio: “Já fiz muita questão, hoje em dia eu faço brigadeiro.”
Difícil mesmo, para 99% da população, será entender o que é “globalização”, a segunda palavra que vocês estão aprendendo hoje comigo _ Comentarista do Futuro também é cultura! Não terei a audácia de tentar explicar, mas antecipo duas de suas intervenções no mundo do futebol. No Século 21, os estudos vão apontar o surgimento de um tipo de torcedor “globalizado”: que prefere ter como clube do coração um time estrangeiro e não do Brasil. Qualquer um vai poder atestar isso com outra ferramenta de pesquisa muito eficiente: o “olhômetro”, pelo que vai ter de moleque na rua vestindo camisas de clubes da Inglaterra, da Espanha, da Itália… Outra revelação será que o Flamengo não é exatamente a maioria no Brasil. No próximo século, mais de 46 milhões de pessoas (22% da população) vão declarar que não têm preferência alguma no futebol. Ou seja: a maior torcida do país será a dos “sem time”. Taí o morango que faltava neste chocolate!
P.S. (2): Poucos sabem, mas já existiu na Bahia um clube chamado Internacional. Fundado em 1908, na capital Salvador, o Sport Club Internacional foi campeão estadual em 1914.
PRA ASSISTIR OS MELHORTES MOMENTOS:
FICHA TÉCNICA
INTERNACIONAL 0 X 0 BAHIA
Data: 19 de fevereiro de 1989 (final do Brasileiro de 1988)
Estádio: Beira-Rio (Porto Alegre)
Juiz: Dulcídio Wanderley Boschilia (SP)
Público: 79.598 espectadores
Renda: NCz$ 57.304,00
Internacional: Taffarel, Luís Carlos Winck, Norton, Aguirregaray e Casemiro; Norberto, Luís Fernando e Luís Carlos Martins; Maurício (Hêider), Nílson e Edu Lima (Diego Aguirre). Técnico: Abel Braga.
Bahia: Ronaldo, Tarantini, João Marcelo, Claudir (Newmar) e Paulo Róbson; Paulo Rodrigues, Gil Sergipano, Zé Carlos e Bobô (Osmar); Charles e Marquinhos. Técnico: Evaristo de Macedo.
Cartão amarelo: Norberto, João Marcelo e Gil
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