Jair Bolsonaro voltou a dizer no fim de semana que o país vive “uma neurose” com a pandemia do coronavírus e que 70% dos brasileiros serão infectados porque “não tem como”. Ora, haveria como, sim, se o governo que ele encabeça tivesse tomado providências para tal.
Mas para argumentar, digamos que não houvesse. Que fosse verdade que 70% dos povos do mundo obrigatoriamente serão contaminadas. Bolsonaro ainda não entendeu que nenhum sistema de saúde é planejado para atender 70% das pessoas em tão pouco tempo?
Foi o que aconteceu na Itália, Espanha e outros países europeus onde o sistema de saúde entrou em colapso e morreu mais gente do que deveria. É também o que está acontecendo em partes dos Estados Unidos e na maioria dos Estados do Brasil.
Por que as autoridades médicas, não só daqui, tanto falam que é preciso retardar a curva de crescimento do coronavírus? Justamente por isso. Quanto mais devagar ela suba, mais o sistema poderá atender pessoas em hospitais e outras unidades de socorro. E não é só o virus que mata.
O problema de Bolsonaro é um defeito de fabricação? Ele tem neurônios a menos que o impedem de descodificar o que escuta, uma vez que ler ele não gosta? Neurônios podem faltar, é o que se deve concluir por seus atos bizarros e comportamento em geral.
Mas, nesse caso, não se trata disso. Bolsonaro só pensa na reeleição, só se orienta por ela. Todas as suas decisões levam em conta o desejo de obter mais um mandato de quatro anos. Para seu próprio bem e o bem de sua família. E se a Economia estiver mal em 2022, adeus reeleição…
A Economia estará mal em 2022, como de resto em grande parte do mundo. Aqui estará particularmente mal porque o ralo crescimento do ano passado já foi menor do que no ano anterior. Se amasse a vida mais que o poder, Bolsonaro teria se beneficiado da pandemia.
Mesmo governantes que compreenderam com atraso o tamanho da tragédia que se anunciava, viram sua popularidade aumentar quando arregaçaram as mangas e assumiram a liderança do combate ao Covid-19. Bolsonaro, não. Assiste à mortandade de braços cruzados.
Pior: é conivente com ela. Aposta que poderá recuperar apoios que perdeu depois que morrer o último dos brasileiros vulneráveis à doença. É por isso que pergunta: “E daí”. É por isso que convida amigos para um churrasco e depois vai esquiar nas águas do Lago Paranoá.
Enquanto o Congresso e o Supremo Tribunal Federal decretavam luto em memória dos 10 mil mortos pelo Covid-19, o presidente da República divertia-se passeando de jet-ski na companhia de um agente de segurança e observado por um grupo de devotos atrás de selfies.
Não muito distante do lago, acampados nas cercanias da Esplanada dos Ministérios, bolsonaristas recém-chegados de mais uma carreata pela cidade exibiram-se em uma performance em torno de caixões de papelão. Cantaram, dançaram e simularam ressuscitamentos.
Passados 74 dias desde que o primeiro caso de coronavírus no Brasil foi confirmado, o número oficial de mortos pela doença chegou, ontem, a 10.627. Morreram, em média, 196 pessoas por dia depois que aconteceu o primeiro óbito em 16 de março último.
O número de mortos poderá dobrar nos próximos 20 dias, segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo. E o de infectados triplicar, batendo a casa dos 400 mil. Só rigorosas e improváveis medidas de isolamento serão capazes de impedir que isso ocorra.
Improváveis porque não há, por enquanto, sinais de que serão adotadas a largo. Em sete Estados, pelo menos, não só faltam leitos para atender à procura. Faltam médicos, enfermeiras, ambulâncias e simples remédios. O confinamento social recua e o vírus avança.
Bolsonaro abusa da sorte ao brincar de beijar boca de cobra. Haverá perigo maior do que beijar a boca de uma cobra venenosa?