O que terá dito Jair Bolsonaro ao general Eduardo Villas Boas para que cessasse a resistência do Estado Maior do Exército à sua candidatura a presidente a partir de meados de 2018? Villas Boas era o comandante do Exército. E à época, o general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo, era o único membro do Alto Comando que defendia com entusiasmo o apoio a Bolsonaro, ex-paraquedista como ele, e seu amigo de longa data.
A conversa de Bolsonaro com Villas Boas, hoje lotado no Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, é um segredo que os dois juraram guardar para sempre. Mas é razoável supor que, entre outras coisas, o ex-capitão – afastado do Exército por conduta antiética -, tenha garantido ao general que, uma vez eleito, trataria as Forças Armadas como nenhum presidente jamais o fizera desde o fim da ditadura militar de 64.
Em parte, procederia assim por dever de gratidão, pois embora o enxergassem com maus olhos, em momento algum os generais barraram a infiltração do bolsonarismo nos quartéis. E, também em parte, porque precisaria de quadros para governar, sua maior carência. Fora até então um deputado federal inexpressivo. A imprensa não lhe dava atenção. Mantinha-se distante dos partidos. E sua relação com o mundo civil era quase zero.
Justiça se lhe faça – Bolsonaro entregou o que prometeu, e ainda pretende entregar mais. Entregou, por exemplo, uma reforma da Previdência feita sob medida para os militares. Em meio à pandemia, entregou um reajuste de salários para os oficiais, a que se seguirá um reajuste de salários para o resto da tropa. E, no Orçamento da União do próximo ano, o Ministério da Defesa deverá ser contemplado com um substancial aumento de verbas.
A ligação umbilical de Bolsonaro com a caserna ganhou números mais completos com o levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a quantidade de militares da ativa e da reserva que ocupam cargos civis no governo federal. Ela simplesmente mais do que dobrou nos dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro. Em 2018, eram 2.765 militares. Em 2019, 3.515. Este ano, até aqui, 6.157. Um aumento de 122%.
Apenas o Instituto Nacional do Seguro Social emprega 1.969 militares da reserva. Seus contratos são temporários – mas e daí? O que fazem por lá também poderia ser feito por civis. Um dos aumentos mais expressivos ocorreu entre militares que passaram a ocupar cargos comissionados. Eram 1.965 em 2016, número que caiu em 2018 para 1.934. No primeiro ano do governo Bolsonaro, subiu para 2.324. Neste ano, para 2.643, ou 34,5% a mais.
A quantidade de militares que acumulam cargos de profissionais de saúde na esfera civil quase dobrou entre 2016 e 2020: de 642 passou para 1.249. Entre os professores, houve uma pequena redução, de 197 em 2016 para 179 neste ano. Outra novidade: a presença de militares em conselhos de administração de estatais, função pela qual recebem pagamentos adicionais, e em “cargos na alta administração do Poder Executivo”.
Oito militares estão nessas posições. Segundo o levantamento do TCU encomendado pelo ministro Bruno Dantas, nenhum militar as ocupou em 2016, 2017, 2018 e 2019. A regularidade dessas contratações poderá vir a ser examinada pelo tribunal. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, disse preocupar-se com o número de militares que ocupam cargos antes destinados a civis. Taí!