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Quem governa Bolsonaro

Por artes do destino ou sabedoria do Congresso, o país experimenta uma espécie de parlamentarismo disfarçado

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 19h11 - Publicado em 3 fev 2020, 08h00
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  • Ninguém governa governador, disse um dia Agamenon Magalhães, à época, governador de Pernambuco e ex-ministro de Getúlio Vargas. Os tempos eram outros. Agora, há quem governe presidente da República – no caso, Jair Bolsonaro, que age e reage de acordo com o humor das redes sociais. Para ser preciso, de acordo com o humor dos seus devotos.

    Antes de ser eleito, ele governou seus simpatizantes e futuros apóstolos. Quem o governava então era o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, e seus filhos que liam o mundo por ele, uma vez que Bolsonaro jamais gostou de ler. Olavo e os filhos ainda leem o mundo por ele. Por ele, alguns garotos empregados no governo leem as redes sociais.

    Mais notadamente de alguns meses para cá, Bolsonaro, que jamais  desprezou as redes porque é produto delas, passou a responder com maior atenção ao que elas dizem e cobram. Passou também a acusar todos os golpes que recebe quando criticado. E quando não se justifica, ou quando não pede compreensão, recua ou avança em decisões que tomou.

    Ora, dirão, ouvir estrelas não faz mal. Ou, se preferirem: ouvir o povo  deveria ser uma obrigação dos governantes. Nada seria mais democrático. Mas nem sempre a voz do povo é a voz de Deus. E um governo incapaz de entender isso jamais governará bem. No início do século passado, os cariocas sabotaram a aplicação da vacina contra a varíola.

    Houvesse redes sociais e governantes orientados por elas, a vacinação talvez fosse suspensa. De resto, é falso que a voz das redes expresse, sequer, a voz da maioria que por meio dela fala. Bolsonaro não está interessado em ouvir a voz da maioria nas redes ou de fora delas. Interessa-se pela voz de uma parcela dos que votaram nele, e que ele quer preservar.

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    Na semana passada, por exemplo, enquanto essa parcela reagiu com firmeza contra o despacho de aviões para resgatar brasileiros retidos na China com medo do coronavírus ou afetados por ele, Bolsonaro bateu o pé e afirmou que não os resgataria para evitar o risco de que, trazidos de volta, pudessem contaminar os que por aqui estão.

    Alegou que seria uma operação perigosa e que custaria caro aos cofres da União. Jogou nas costas do Congresso a responsabilidade por ela à falta de recursos do governo. Como começou a ficar mal na foto e mesmo entre muitos dos seus devotos, recuou e, agora, admite que poderá dar início ao socorro já prestado por outros governos mais humanos do que o dele.

    Antes dera outra vacilada: demitiu o 02 da Casa Civil pelo ato “completamente imoral” de voar em jatinho da FAB para a Suíça, de lá para a Índia, e na volta à Sicília, ilha italiana de rara beleza, de patrimônio histórico e artístico precioso e de restaurantes de primeira. Mas a pedido dos filhos, reempregou-o no governo. Para demiti-lo mal o fizera.

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    Quando acerta, Bolsonaro erra no momento seguinte. Ou persevera no erro ou tenta consertá-lo. Biruta de aeroporto se move sob a direção dos ventos. Mas ela é um dos muitos indicadores a serem levados em conta pelos pilotos, não é o único. Isso, Bolsonaro parece desconhecer apesar de ter sido paraquedista antes de o Exército afastá-lo por má conduta.

    Se tivesse dependido apenas do seu empenho, a reforma da Previdência Social jamais seria aprovada enquanto ele governasse. Em compensação, alguns dos seus projetos desvairados teriam sido. Como ele se recusa a compartilhar o poder com os partidos, o que não significa licença para a roubalheira, o Congresso tomou-lhe parte do poder.

    A Constituição de 1988, em vigor, foi concebida para um regime parlamentarista que jamais existiu. Por artes do destino ou sabedoria dos que comandam o Congresso, o país, hoje, experimenta uma espécie de parlamentarismo disfarçado. Assim – quem sabe? – será possível atravessarmos os próximos tormentosos três anos.

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