A chamada mão invisível do mercado aparece na bomba de gasolina, onde não aparece o preço do dólar ou do petróleo. É natural que o consumidor fique descontente: ele vê a subida do preço e não vê a subida do custo de produção do que ele compra. O consumidor vê o posto de gasolina, não a Petrobras, nem os produtores de petróleo, nem tem por que aceitar que esta empresa precisa financiar seus custos, e ainda reservar parte do lucro para investir e continuar produzindo. O descontentamento é ainda maior quando o consumidor é um caminhoneiro cuja sobrevivência depende do preço do combustível, sabendo que a Petrobrás é uma estatal.
Para acalmar os consumidores, o governo tira a mão visível que aparece na bomba de gasolina, e usa a força política para baixar o preço, mesmo sacrificando “sua” empresa, ou desvia dinheiro de outros setores para simultaneamente atender aos consumidores, transferindo o problema para os usuários de serviços, isem que eles percebam. O consumidor fica satisfeito com o preço baixo, por não perceber que o subsídio foi financiado com a piora dos serviços do governo na qualidade das estradas, das escolas, dos hospitais. No final, todos, inclusive os caminhoneiros, pagam para que o governo passe a ideia de sensibilidade social. A mão do mercado é mais visível do que a pesada mão invisível da intervenção populista fazendo “fake” preços.
Mas ninguém esconde a realidade, e mais dia menos dia ela aparece, como no Brasil nos anos 2014 a 2016, e na Venezuela. O populismo é o negacionismo levado à economia. Da mesma maneira que negação dos riscos do corona vírus aumentou o número de mortos, ao esconder a realidade que forma os preços, o presidente quebra Confiança na economia e provoca recessão, desemprego, aumento na taxa de juros, dívida pública, inflação.
No lugar de esconder a realidade, seria melhor acertar as perdas que eles terão, um programa emergencial diretamente com os caminhoneiros, como se fez quando ficou impossível esconder a tragédia da epidemia. E nos preparamos para as vacinas da economia, as reformas nos modelos de energia e transporte.
Tudo indica que em poucos anos o mundo terá substituído petróleo por eletricidade como combustível para caminhões que serão conduzidos automaticamente. Mas o país não está se preparando para estes novos tempos. Nossa maior empresa continua dedicada à exploração e refino de uma fonte energética fadada à obsolescência e o sistema de transporte baseado em rodovias e sem automatismo. O Brasil precisa ao mesmo tempo produzir mais eletricidade eólica, solar e hídrica; além de organizar melhor a produção de energia com fonte agrícola. Os ministérios ligados à infraestrutura precisam se dedicar a este novo tempo, com ferrovias, cabotagem e estradas compatíveis com os caminhões elétricos e automáticos, .
Da mesma forma, os ministérios sociais devem se preocupar em como reciclar e proteger emergencialmente aos motoristas que perderão emprego, como também milhões de outros profissionais substituídos pela inteligência artificial. O caminho do longo prazo está na educação. Antes será preciso renda emergencial para estes profissionais. Mas a economia poderá estar quebrada e isto não ser possível.
Daí, a necessidade de manter a Confiança dos agentes econômicos, consumidores e investidores. Mas a política brasileira, prisioneira do corporativismo e do populismo, ambos aliados imediatistas, preferem seguir a filosofia do “deixa pra lá”. Preferem a pesada mão invisível do governo, ao incomodo da mão visível do mercado na bomba de gasolina.
Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro