Em agosto ultimo, 350 jornais americanos publicaram na primeira página carta de repúdio aos desenfreados ataques de Donald Trump. “A Imprensa livre precisa de você”, invoca a iniciativa do The Boston Globe, com a a chancela do New York Times. Trump chama os jornalistas de inimigos do povo.
Por aqui, a coisa vai daí para pior. No dia 11 de outubro, depois do primeiro turno, o então candidato Jair Bolsonaro escreveu em seu Twitter: “Imprensa lixo”. E vai repetindo investidas (129, desde o começo de 2018), demonizando a imprensa a la Trump. Lavagem cerebral. Hoje, são mais de 20 milhões seus seguidores nas redes sociais. Fiéis e crédulos seguidores.
É claríssima a posição de Bolsonaro em relação a imprensa. A Folha de São Paulo deixaria de existir, se o presidente tivesse tal poder. Mas não foi só a Folha barrada na entrevista coletiva pós-vitória. Repórteres de O Globo, CBN, Valor Econômico, EBC (empresa oficial do governo federal) ficaram literalmente na chuva. Até o Estadão, que naquele dia publicara editorial elogioso ao presidente eleito.
Os critérios são pessoais. Próprios de quem considera culpa da mídia tradicional tudo que não for do seu agrado. Lero lero das antigas. No Brasil, mais do que nos Estados Unidos, a maldição viralizou entre os que desprezam os jornalistas que criticam Bolsonaro. Repórteres são atacados pelo que disseram – ou escreveram – ou pelo que não disseram nem escreveram.
A retórica “reduz toda a atividade jornalística a um complô”, escreveu, em 2016, o jornalista, escritor, e professor Eugenio Bucci, em extenso artigo sobre “Corrupção, Imprensa e Opinião Publica”, publicado pela Universidade de São Paulo.
Até quem não gosta, sabe que “a imprensa livre, mesmo quando ruim, é o melhor antídoto contra os desmandos no âmbito do poder público”, diz Bucci. “A corrupção só logra seu intento quando silencia a reportagem, pela força das armas ou pela força do dinheiro. Não há corrupção que tenha estima pela imprensa livre. Ao contrario, o discurso que vilaniza os jornalistas é essencial para quem corrompe ou se corrompe”.
A imprensa erra. Às vezes, erra muito. Muitas vezes, pela urgência da notícia. “Mas acerta nos parâmetros gerais de seu método e sua razão de ser. Acerta ao duvidar do poder e acerta em publicar o que o poder gostaria de esconder”, concorda Bucci.
O que quer esconder Bolsonaro? Nada se sabe. Ele fala pelos cotovelos nas redes sociais, fala tudo o que lhe vem na cabeça. Orgulha-se da sua verborragia. Só não quer ser contrariado. O poder sempre conviveu com a imprensa cinicamente. Ou nem convive, como quer o presidente eleito.
Está errado. A população brasileira não se restringe aos seus seguidores. Em 2010, pesquisa do Instituto Análise indicou que 91% dos brasileiros consideram que a imprensa ajuda a combater a corrupção. E 97% acham que é sua obrigação investigar e divulgar escândalos que envolvam autoridades e políticos.
Nessa linha, o jornalista Bob Woodward (quem não se lembra do escândalo de Watergate, que derrubou Richard Nixon?) lançou no Brasil, mês passado, seu mais recente livro. “Medo: Trump na Casa Branca”. O The New York Times o resumiu: “Sabíamos que a coisa era ruim. Aqui, Woodward, como um policial que bate à sua porta as 3 da manhã, só atualiza os detalhes do horror”.
A imprensa tem esse poder. Ainda que achincalhada. O medo não paralisa. A hostilidade não vai permitir que se transforme numa imprensa cínica, demagógica e corrupta, como querem lacrar. Joseph Pulitzer , jornalista húngaro que morreu em 1911 e dá nome ao prêmio mais importante de imprensa, em todo o mundo, alertou, há mais de 100 anos, que essa seria a via mais segura para formar um publico tão vil como ela mesma.
Mirian Guaraciaba é jornalista, paulista, brasiliense de coração, apaixonada pelo Rio de Janeiro