Há uma queixa, sob forma de angústia que paira sobre várias cabeças, ou melhor, que habita diversas mentes no mundo atual. Um mundo onde as pessoas reclamam de sentimentos de vacuidade, vazio, falta de relações afetivas consistentes e sensação de solidão e abandono. O que é isso? O que significa esse desespero que faz trazer aos consultórios pessoas com a demanda de serem acolhidas?
Talvez a maior dor humana vem do sentimento imaginado ou não, de não ser amado, o que remete à questão da autoestima. Entretanto, a autoestima tem sempre a ver com a própria capacidade de se amar. Amar-se não é sinônimo de egoísmo arrogante, amar é um direito e quem sabe um dever, que uma pessoa tem para consigo.
A palavra egoísmo tem outro vértice que não o moral, ela é o amor a si próprio, o que em psicanálise se convencionou a chamar de “narcisismo de vida”, de sobrevivência. Alguém que se ama, se mais amor vem dos outros, é lucro. É necessário cultivar o amor próprio, pois ele é a fonte, a substância que alimenta quando estamos sentindo solidão. Solidão não é sinônimo de abandono, a não que nós próprios nos abandonemos.
Revendo um texto de Marcel Proust, contido no 4º volume do romance “Em busca do tempo perdido”, Sodoma e Gamorra, com uma bela tradução do nosso Mário Quintana, Editora Globo, um texto que o autor chamou de “As intermitências do coração”, fiquei em estado de epifania ao lê-lo, pois é uma bela descrição do “resgate de si mesmo” e do luto que o autor-narrador faz de sua avó. Vamos a ele, caro leitor: “Comoção violenta de todo o meu ser. Logo à primeira noite, como sofresse de uma crise de fadiga cardíaca, procurando dominar meu sofrimento, curvei-me com lentidão e prudência para descalçar-me. Mas, mal havia tocado o primeiro botão de minha botina, meu peito inflou-me, cheio de uma presença desconhecida e divina, soluços me sacudiram, lágrimas brotaram de meus olhos. O ser que vinha em meu socorro e que salvava da aridez da alma, era aquele que, vários anos antes, num momento de angústia e solidão idênticas, num momento em que eu não tinha mais nada de mim, havia entrado e me devolvera a mim mesmo, pois era eu e mais do que eu (o continente que é mais que o conteúdo e mo trazia)”.
Bela prosa poética de Proust dando uma contribuição para todos nós, como elaborar a solidão e não transformá-la em estado de abandono.
Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association