O fracasso do positivismo de coalizão (Por Felipe Sampaio)
Por aqui, ditador de verdade não se cria

Buscando pretextos nas ideias de Auguste Comte, o positivismo no Brasil do século XIX, defendia que o Estado deveria ser comandado por um regime de governo que libertasse a sociedade do jugo monarquista e, ao mesmo tempo, a protegesse da desordem republicana.
Nesse sentido, extinto o Poder Moderador, o Executivo seria exercido por um ditador, com poderes sobre o Judiciário e prescindiria da necessidade de um Poder Legislativo, na medida em que o próprio Executivo legislaria, por decreto, conforme proposto pelos nossos positivistas de então.
Tentou-se emplacar esse modelo logo na largada da república brasileira, mas o marechal presidente, que não entendia de política, mas podia reconhecer uma boa conspiração à distância, não comprou a ideia, aproveitando dela apenas o lema Ordem e Progresso.
Contudo, uma inclinação positivista parece ter permanecido no imaginário conservador brasileiro e no ideário de uma parcela do oficialato nacional, ainda que de maneira difusa, voltando a emergir aqui e ali ao longo do século XX.
Em 2018, a tese voltou à tona com traços de caricatura. Pelo fim da desordem e da corrupção, fora a velha política, abaixo a democracia decadente e o capitalismo globalista. Viva a ditadura sem máscaras (literalmente).
Porém, como tudo no Brasil acaba recebendo um tempero todo nosso, imaginou-se a princípio que não haveria contradição nenhuma em um ditador ser eleito democraticamente.
Desse modo, estabeleceu-se a figura inesperada de um mandatário do Poder Executivo eleito pela vontade soberana popular para ser… candidato permanente a ditador.
Concretizado o ato de posse, restava aos patrocinadores na paródia comtiana a parte que parecia mais fácil da empreitada neopositivista – desmantelar as instituições – não lhes houvesse escapado um detalhe fundamental: o plano estava sendo implementado no Brasil.
Em 2018, aqui não vigorava o Antigo Regime europeu que o positivismo de lá pretendera sepultar dois séculos antes, assim como não havia a instabilidade provocada pelas sublevações – ora reacionárias, ora progressistas – que tornavam as ainda jovens repúblicas ingovernáveis.
Para o desgosto da família eleita, no ano de 2018 o regime de governo em vigor no Brasil era o conhecido e reconhecido presidencialismo de coalizão.
Isso significava que no Brasil até os ditadores dependem da vontade e da satisfação dos inquilinos da Casa do Povo para governarem.
Surpresa desagradável, porque as ditaduras baseiam-se com naturalidade no pressuposto de que muitos sejam convidados para um banquete no qual, só ao chegarem, descobrirão que poucos terão lugar à mesa.
Contudo, na cena brasileira de hoje, a festa não deu para quem quis. Muita gente graúda ficando de fora. Convidados importantes tendo que se levantar da mesa e devolver o prato. Constrangimento geral. Arrependidos por toda parte.
Por aqui, ditador de verdade não se cria. O pretendente atual deveria saber disso, porque passara quase toda sua existência economicamente ativa entre o centrão e o fundo do Parlamento.
Ditadura passando por cima da política não prospera no Brasil de agora. Não foi à toa que Benjamin Constant rapidamente trocou o positivismo tropical pela república de Deodoro.
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Felipe Sampaio escreve no https://capitalpolitico.com/