A piada é antiga, dos tempos da crise-golpe de 63/64. Um dos engraxates do aeroporto Santos Dumont, enquanto lustrava os sapatos do freguês, reclamava do sufoco, do desemprego, da carestia… Velho comunista, o freguês aproveitou pra fazer seu proselitismo: Calma, o comunismo vem aí para acabar com isso tudo. Você sabe o que é o comunismo, né?
O engraxate balança a cabeça e manda essa: Num sei o que é isso não, mas se vié, nóis avacaia!
O comunismo desfez-se antes de chegar por aqui. Seguimos à risca o salve do engraxate. Avacaiar o que vier pela frente. Aí cabendo preceito constitucional, leis que não colam e a imensa cara de pau dos do andar de cima – a turma que capitaneia o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Sem distinção de gênero, hierarquia ou classe social, a prática contagia. Pode vir do vizinho ou de autoridade constituída.
O Brasil tem 200 mil leis e uma capacidade infinita de avacalhar, esculhambar, escrachar. Quase tudo. E às claras. Saco sem fundo, onde cabem mentiras, manobras, chantagens, desmandos, crimes, bandos, facções, violência e miséria social. Devidamente noticiadas. Com a versão do lado A e do lado B. Assim, como se fosse sério.
A esculhambação oficializou o faz de conta. Atravessou o samba da legalidade? Manda um desmentido. Qualquer um vale. Se for papo torto, manda o jargão: “conversa republicana”. Fez coisinhas como deixar remédios essenciais vencerem pra ganhar no descarte e na recompra, via advogado, garanta por escrito: “Nossos procedimentos seguiam as mais rígidas normas de governança”.
Colou? Não colou? Não tem a menor importância. Ultrapassamos o vai que cola. Fase vencida. A regra agora é sem regras.
Veio a telefonia celular, esculhambamos. Veio o call center, esculhambamos. Veio a companhia aérea de baixo custo, esculhambamos. O custo é alto, o serviço baixo. Recorde de queixas no Procon? Ah vá! Qual a consequência disso? Ne-nhu-ma. É o que temos para oferecer. Paga e não chia.
Rapidinho, esculhambamos o Uber, por exemplo. Chegou ótimo. Não levou dois anos para perder a estrela de excelência no serviço. Entrou na seara da sorte. Ora um bom carro, um bom motorista. Ora nada disso. Carro cheiroso, balinha e água. Lembra? Só quando Deus ajuda.
Vez por outra, quando a avacalhação é muita, Ele até dá uma força. Foi Ele – só pode ter sido – quem afundou a lancha da avacalhação completa no Ministério do Trabalho que ameaçava ter no comando uma condenada em quê mesmo? Causa trabalhista. Duas, para não deixar dúvida.
Foram 48 dias com o Ministério à deriva. Tempo mais de suficiente para demonstrar a importância que as regulações do trabalho têm nos dias de hoje. Avacaimos. Enquanto isso, tchan, tchan, tchan, tchan, o governo, no modo egípcia, mandou tirar a faixa presidencial do boneco vampiro da Unidos do Tuiuti, a (escola de samba) vice-campeã do Carnaval carioca. Bora levar o sofá pra fora da avenida, que estamos gestando uma intervenção federal no estado. E, consequentemente, um novo ministério. Agora vai!
O general interino da Defesa? Diz que já se enroscou no TCU. Mas a sentença final diz que foi de boa-fé. Pronto. Bora ao próximo causo. Vai que é fake news?
Fake News? Nova rendosa modalidade de esculhambar em meio eletrônico. Rapidinho. Eficiente. A ignorância ajuda muito. Deixa rolar a eleição pra ver só o poder de fogo das news fakes. Avacaiação made in Rússia que elegeu até o chefe do mundo.
Por aqui, houve tempo de tudo acabar em samba. Depois acabava em pizza. O nóis avacaia fermentou tanto que rende enredo – historinha contada passo a passo, – pra Escola de Samba. Dispensa pesquisa. Só olhar em volta e relatar a bagunça. Foi nesse embalo que, no sambódromo do Rio de Janeiro, Tuiuti e Beija-Flor, a campeã, alegorizaram a desgraceira nacional. Violência, corrupção, intolerâncias, impostos excessivos, abandono de doentes, bala perdida, assaltos – de colarinho ou camiseta regata -, facções criminosas – presas e soltas – vieram em alas de ratos com malas e bolsos cheios de dinheiro, autoridades vampiras em trajes de gala, indignos monstros devoradores de esperança.
No menu da avacalhação, os patos amarelos da FIESP vieram como marionetes. Não são? Com fantasias de madamas e senhores de fino trato o samba carnavalizou, avenida afora, o bando dos guardanapos na cabeça que saqueou o Rio de Janeiro.
Nada era fake news.
Cuíca e tamborim choraram o Brasil avacaido de dar dó, onde pouca coisa merece confiança. Sem distinguir o oficial do oficioso, nosso momento desconfiança alcança dos rótulos de alimentos industrializados aos procedimentos e sentenças judiciais. Será? É o mote. Suspeitamos, inclusive, do fundo do poço. Cada vez que, parece, chegamos nele, nova modalidade de avacalhar faz mais funda a cacimba do Brasil.
Fosse o general chefe da segurança do Rio de Janeiro nem temia Comissão da Verdade. O que mete medo mesmo é nossa progressiva capacidade de avacaiar.
Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de dois netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto