“Mamãe, nunca senti tanta dor!”; “Mãe, estou com muita sede!”; Eles não viram que eu estava com roupa de escola, mãe?”. Foram as palavras que Marcos Vinicius Silva, 14 anos, dirigiu à sua mãe Bruna, já no leito do hospital onde viria a morrer, pouco depois.
O garoto ia para escola naquela manhã de quarta-feira e teve seu direito à vida destroçado. Foi vítima da irresponsável “operação” das forças de segurança na comunidade da Maré. Tiros e estilhaços tornaram seus órgãos imprestáveis até para doação, como seus pais desejavam. Um helicóptero disparava rajadas sobre as ruas, completando o clima de terror. Com a blusa do uniforme ensanguentada nas mãos, Bruna encontrou forças para clamar: “vou fazer desse pedaço de pano um instrumento de justiça”.
Era o 20 de junho, Dia de Luta contra o Extermínio da Juventude Pobre e Negra, instituído pela vereadora Marielle Franco. A data lembra a prisão e a condenação arbitrárias de Rafael Braga, na onda repressiva das jornadas de junho de 2013. A garrafa de desinfetante que portava foi transformada, pelas autoridades, em matéria-prima para fazer um “coquetel molotov”. Marielle e Anderson foram executados há 105 dias. A barbárie clama por solução, mas a investigação vai lenta. Há um mês, Michel Temer proclamou que a elucidação do caso viria “em brevíssimo tempo”.
No início da semana do ataque à Maré, a Comissão de Acompanhamento da Intervenção na Segurança do Rio esteve com os generais que a comandam. Eles disseram que o mais importante é o “legado de planejamento” que deixarão. E que “toda polícia tem que ser de proximidade”. Nada disso foi praticado na Maré, a não ser que “proximidade” seja entendida como ordem para matar nas ruas estreitas, em plena luz do dia.
Nesse mesmo dia trágico, em Brasília, deputados pastores rejeitaram moção de repúdio apresentada pelo PSOL contra a apartação de crianças de seus pais, na política de “tolerância zero” com a imigração implantada pelo governo dos EUA. Esses senhores da perversidade, que se dizem cristãos, formam a “Bancada de Trump” no Parlamento brasileiro.
Em fevereiro, o Ministro da Justiça, Torquato Jardim, justificou, em entrevista ao Correio Braziliense, a suspeita sobre inocentes: “você vê uma criança bonitinha, de 12 anos, entrando na escola pública, e não sabe o que ela vai fazer depois”. Sua Excelência, que comandou até pouco tempo a Polícia Federal, sabe, aí sim, o que adultos muitos fazem, quando colocam terno e gravata: tenebrosas transações, roubo, subtração criminosa de direitos!
Kelly é uma jovem moradora da Maré, mãe de Gael, que tem quatro anos. Ela encontrou uma fórmula para responder ao filhinho sobre o porquê dos constantes tiroteios (comuns em quase todo o Rio de Janeiro): “é um aviso pra gente correr e se abraçar com a professora da creche, os amiguinhos ou a mamãe, se estiver perto”. Marcos Vinicius não conseguiu fazer nem isso.
Abracemo-nos, para tentar sobreviver nesses ásperos tempos.
*Chico Alencar é professor, escritor e deputado federal (PSOL/RJ)