No final de sua vida o escritor e poeta Ferreira Gullar dizia ser preciso reinventar a utopia. Sem ela a humanidade perdia sentido e a vida seria um tédio.
Talvez uma nova utopia esteja nascendo com a geração de Greta Thunberg, ativista sueca de 16 anos, e das quatro milhões de crianças e adolescentes que foram às ruas na última sexta-feira. Salvar o planeta deixou de ser uma bandeira de alguns nichos para ser uma causa transversal, capaz de mobilizar multidões, sensível a todos os povos e países do mundo.
Deve-se a essas crianças e adolescentes a visibilidade que a causa ambiental adquiriu. Se não fosse a teimosia de uma menina sueca de 16 anos, autista e vegana, de todas as sextas-feiras fazer uma greve solitária em protesto contra o aquecimento global, o tema não estaria presente com tanta intensidade na Assembleia da ONU. Greta chega a ser áspera em suas cobranças aos líderes mundiais, como aconteceu em seu discurso na cúpula do clima das Nações Unidas.
Sua figura asceta e inflexível é vista por seus críticos como manifestações de um “fundamentalismo ecológico”. Mas é facilmente explicável. Será a sua geração que sofrerá as consequências se a temperatura do planeta subir dois graus até 2050. Apesar do Acordo de Paris de 2015, pouco avançou-se nesses quatro anos. Segundo a própria ONU, a temperatura mundial já aumentou um grau e pode aumentar mais de três até o final do século. Daí o alerta do Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres: “não se negocia com a natureza”.
Se é para deter a marcha da insensatez que pode levar à morte de centenas de milhões de pessoas, bem-vinda a teimosia de Greta Thunberg. Muitas vezes a história foi impulsionada pela teimosia e obstinação de uma pessoa. Estão aí os exemplos de Martin Luther King e Mahatma Gandhi.
Greta não é Gandhi ou um Luther King, longe disso. Mas sem as manifestações iniciadas por ela, a cúpula do clima das Nações Unidas seria apenas um evento a mais, sem nenhum efeito prático. A pressão deu resultados.
A Alemanha vai liberar 100 bilhões de euros para um plano climático e presidentes de diversos países anunciaram investimentos que somam 500 milhões de dólares. Liderados pelo Chile, 70 países se comprometeram a rever seus planos de cortes de emissões de gases de efeito estufa. É um bom passo, embora falte a adesão de três grandes poluidores: Estados Unidos, China e Índia.
Voltando à transversalidade da questão climática. Governantes dos quatro cantos do mundo, grandes corporações econômicas, grandes fundos do mundo, consumidores, todos, absolutamente todos, começam a entender que não há um planeta B. Ou salva-se o que existe ou morremos todos.
A questão é saber se o Brasil, que já foi um protagonista desde a Eco-92, sairá do canto do ringue e voltará a desempenhar o papel de liderança, hoje encarnado pelo Chile. Desse ponto de vista, o discurso de Jair Bolsonaro na ONU foi uma ducha de água fria. O presidente perdeu uma bela oportunidade de se projetar internacionalmente e, pela via da conciliação, ser protagonista em uma questão tão sensível como a ambiental.
Em vez disso, culpou a mídia, as ONGs e a França pela crise amazônica. Preferiu falar para os seus em vez de falar para o mundo, enveredando por um discurso ideológico mais adequado aos tempos da invasão da Baia dos Porcos e da Crise dos Mísseis, como se estivéssemos em plena guerra fria dos anos 60.
Por aí o Brasil está condenado à condição de pária na questão ambiental, uma das principais balizas do planeta, hoje e no futuro.
Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo