“Primeiro morreu o embaixador”. Assim, Angela Alonso começa a construção do perfil de Joaquim Nabuco na obra “Joaquim Nabuco – Os salões e as ruas”. Sob o título, “As três mortes de Nabuco”, a autora começa a biografia, pela morte do biografado, descrevendo os rituais e os legados de sua carreira pública. Na embaixada dos Estados Unidos, o cavalheiro culto, elegante e gentil, cativara os americanos com modos e a ideia do pan-americanismo.
Dois meses depois, embalsamado, escreve Ângela: “Na antiga capital do Império, desembarcaram outro morto: o intelectual monarquista”. No Palácio Monroe, os políticos, o povo e os intelectuais da Academia Brasileira de Letras foram homenagear seu secretário vitalício.
“O abolicionista morreu foi no Recife”. Lá marinheiros descendentes de escravos que ajudara a libertar o desembarcaram do vapor Carlos Gomes”. O destino de Nabuco estava traçado entre o fascínio cosmopolita e “o forte arrocho do berço”, declarado sentimento político e afetivo de pertença que o acolheu eternamente. “Os braços abolicionistas o devolveram ao seu palco principal, o teatro Santa Isabel, onde fora nada menos que um astro”.
Em solo pernambucano, sentiu a fusão humana e social com o negro quando “absorveu o leite preto que o amamentou; ela envolveu-me como uma carícia muda toda minha infância (…); entre mim e eles deve ter se dado uma troca contínua de simpatia, de que resultou a terna e reconhecida admiração que vim mais tarde a ter pelo seu papel”.
Mais que abolicionista, FHC, em “Pensadores que inventaram o Brasil”, o define como um “reformista social” pela visão includente da cidadania de negros e brancos a partir do acesso democrático à terra e às luzes da educação. Nabuco tinha razão: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil” e segue sutil ou ostensivamente, esgarçando os laços da coesão social.
Em 19/08/19, Nabuco faria 170 anos, Dia do Historiador, em sua homenagem. Não li ou escutei algo relevante sobre a data e seu patrono. É possível que a inquietação do cotidiano brasileiro, animado com encrencas infindáveis e inúteis, tenha contribuído para um silêncio constrangedor.
Em qualquer hipótese, vale lembrar o que o enfermo Nabuco escreveu no seu diário, um ano antes de sua morte: “O corpo pode ser demolido, não o seja nunca o espírito”; e, moribundo, venceu o torpor e suplicou ao médico; “Pareço estar perdendo a consciência…Tudo menos isso”!
Que a consciência histórica ilumine a escolha do Embaixador do Brasil nos EUA.
Gustavo Krause foi Ministro da Fazenda