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Mulheres são de Esquerda, homens são de Direita

Neurociência

Por Antonio Lavareda
Atualizado em 30 jul 2020, 19h27 - Publicado em 6 set 2019, 10h00

As pesquisas não permitem dúvida. Se a eleição norte-americana fosse hoje e apenas os homens votassem, Trump teria uma chance razoável de ser reeleito. Em direção oposta, o vice de Obama, Joe Biden, seria o escolhido com dianteira confortável caso a decisão fosse apenas das mulheres. Nenhuma novidade. Já havia sido assim na eleição anterior.

A depender das mulheres Hillary estaria na Casa Branca. Aliás, elas quase sempre foram mais inclinadas aos candidatos democratas, ao menos desde Carter, derrotado na disputa de 1980.

Algo parecido se deu no Brasil em 2018 quando Jair Bolsonaro ganhou a eleição com 55% dos votos – uma diferença de dez pontos sobre o adversário petista. Segundo pesquisa do DataFolha, na véspera do segundo turno da eleição ele atingia entre os homens 60%. Mas o país teria Haddad como presidente, ainda que por margem apertada de três décimos, se somente as brasileiras tivessem ido às urnas. O “gap de gênero”, designação que a literatura reserva ao fenômeno, continua durante o governo.

Conforme o mesmo instituto, decorridos oito meses do mandato os homens formam a maior parcela (57%) do núcleo duro de apoio ao presidente, enquanto as mulheres despontam com larga maioria (59%) no grupo que mais o rejeita. O que explicaria tal diferença probabilística de comportamento e atitudes?

Vários autores, inclusive eu, chamaram atenção para o fato de que papéis distintos na estrutura da família e da sociedade, incluindo a maior vulnerabilidade econômica, produzem agendas diferenciadas que influenciam as respectivas preferências. Saúde, educação dos filhos, tudo o que incide sobre o orçamento doméstico como energia, preço e qualidade dos alimentos lhes preocupa mais. Segurança pública é um tema comum aos dois segmentos, mas sob perspectivas diferentes: enquanto elas reclamam sobretudo o combate ao tráfico de drogas, eles priorizam o rigor na punição dos criminosos.

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Contudo, essa explicação é insuficiente. Ao apostar apenas no comportamento consciente das eleitoras ainda nos deixa no terreno limitado da “teoria da escolha racional”, questionada até no campo da economia que foi seu berço. É necessário avançar mais. Incorporar à reflexão elementos externos às ciências sociais num esforço do tipo que Edward Wilson chamou de “consiliência”. No caso em tela adicionando-se o conhecimento provindo da neurociência.

Tais insights têm quase sempre ficado ausentes na análise da complexa teia de variáveis envolvidas nas diferenças do comportamento eleitoral no tocante aos sexos. Talvez desestimulados pelo receio da alcunha de “reducionismo biológico”. Afinal, algo assim ocorreu quando nos anos 70 do século passado a sociobiologia trouxe à baila a constatação de que dividimos com outras espécies muitas características de nosso comportamento social.

Mas o fato é que o avanço das pesquisas permite conhecermos hoje singularidades decorrentes de diferenças na estrutura cerebral, nos neurotransmissores e no nosso repertório emocional, que são resultados de milhões de anos de evolução desde as comunidades pré-históricas.

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Alguns exemplos são eloquentes. Homens atingem conclusões mais rapidamente e têm maior capacidade de concentração porque no caso deles o corpo caloso – estrutura que conecta e permite a troca de informações entre os dois hemisférios cerebrais – é menos denso, com menor número de conexões do que nas mulheres. Cujas avaliações por conta disso processam simultaneamente razão e afeto. Essa característica termina implicando por sua vez em conclusões não tão velozes.

Mulheres levam mais tempo para decidir seu voto e ao longo das campanhas são mais abertas a alterar suas preferências. Sem esse processamento dual os juízos masculinos são mais especializados – ora racionais, ora afetivos. E bem mais rápidos. Eles definem seus candidatos por vezes até mesmo antes das campanhas começarem.

A influência hormonal também é decisiva, com a testosterona desempenhando um papel central. Ela é associada à ambição, competição, autoconfiança e assertividade. Homens e mulheres a possuem. Mas eles têm um nível até 20 vezes superior ao delas. Independência, controle e punição são seus focos primários. Temas típicos da direita como o antiestatismo, a ênfase na liberdade dos indivíduos, penas mais duras e a salvaguarda do modelo familiar clássico são música para seus ouvidos. Ao passo que as mulheres, mais empáticas e buscando permanente interação no seu entorno, têm aumentados seus níveis de occitocina que reforçam a confiança, a cooperação e a solidariedade, inclinando-as ao cuidado com as pessoas e ao fortalecimento dos laços comunitários. Assim, se veem atraídas pelo cardápio da esquerda: politicas sociais, direitos humanos, restrição à posse de armas e ambientalismo.

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Nos USA, o Pew Research aponta que entre as qualidades de liderança política vistas como essenciais elas enfatizam traços como civilidade, compaixão e respeito à diversidade. Mulheres reagem mal à retórica política agressiva, não sendo propensas a radicalismos de qualquer matriz ideológica. E isso também é explicado pelos níveis de testosterona.

Homens são menos assolados pelo medo. Quando possuídos pela raiva são mais agressivos e têm maior probabilidade de recorrer à violência física. Não por acaso são responsáveis por 90% do cometimento de crimes violentos. E são mais curiosos e movidos pela excitação dopaminérgica de novidades, sobretudo tecnológicas. Isso contribui para entendermos porque são esmagadoramente masculinas as fileiras do radicalismo político ativado nas redes sociais. Ao passo que, em direção oposta, templos religiosos e movimentos pacifistas são cenários da presença predominante delas.

Contudo, não se deve subestimar a intensidade emocional das eleitoras. Seus sentimentos de atração e de aversão são mais fortes exatamente porque sua empatia e antipatia são mais desenvolvidas. Boa demonstração disso são as respostas femininas a questões de rejeição nos surveys. O certo é que, de uma forma simplificada, é razoável afirmar que no terreno da neuropolítica a empática occitocina é um hormônio de esquerda, enquanto que a poderosa testosterona é um hormônio de direita.

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Lembremos que essas diferenças adquirem maior expressão em processos polarizados, centrífugos, com a sociedade dividida, quando os valores verbalizados nas disputas políticas ganham nitidez, despertam ansiedade e aumentam a taxa de envolvimento nas campanhas. Nos cenários onde predominam as forças centrípetas as especificidades podem eventualmente se dissipar. No Brasil, ambos os gêneros por duas vezes apoiaram FHC em proporções semelhantes.

Foi a eleição de 2002 que nos trouxe o fenômeno aqui abordado. E com sinais trocados, por motivos conhecidos. O medo em relação ao histórico de radicalismo do petista que naquela eleição enfrentava José Serra, o exitoso ministro da Saúde, um típico cuidador, levaria Lula, embora vitorioso no total por larga margem, a ter dez pontos a menos entre as mulheres. O gap mesmo diminuindo se manteria até a eleição de Dilma em 2010, enfrentando o mesmo José Serra. Na sua reeleição em 2014, contra Aécio, viria a inversão. Numa campanha com fortes emoções ela chegou às urnas em queda, praticamente empatada entre os homens. E poderia ter sido derrotada não fosse a margem de sete pontos sobre o adversário que as mulheres lhe asseguraram.

Na Europa, mesmo nos países onde os partidos que emergiram no pós guerra seguem funcionando como principais trilhos das opções eleitorais, o fenômeno também comparece. Na Alemanha, principal país do bloco, são os homens que alimentam o crescimento do novo partido que tem atemorizado as forças tradicionais. Nas eleições parlamentares de 2017 a votação masculina da legenda populista de direita (AFD) foi 80% maior que a feminina.

Antonio Lavareda é sociólogo e cientista político, autor dos livros “Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais” (2009, Ed. Objetiva), “Neuropolítica: o papel das emoções e do inconsciente” (2011, Revista da USP) e “Neuropropaganda de A a Z” ( 2016, com João Paulo Castro, Ed. Record). 

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