Na música imortal de Tom Jobim as águas de março fecham o verão. Diluem a euforia do calor e do carnaval e preparam o espírito para a volta à rotina. É, geralmente, a época em que se abre a temporada política. Shakespeare contou que Júlio César não deu ouvidos a um vidente quando recebeu o alerta: “Cuidado com os idos de março.” O líder do Império Romano marchava triunfante nas ruas em festa, dias depois, quando reencontrou o homem e o confrontou: “Os idos de março chegaram”, disse. “Mas não terminaram”, devolveu o bruxo. Naquele mesmo dia César foi assassinado a facadas por seus mais próximos aliados.
Num distante março, há 56 anos, militares tomaram o poder. Devolveram-no aos civis também num mês de março, em 1985, que fechou um verão único, quando foi eleito o primeiro presidente civil. No dia 15, José Sarney, e não Tancredo Neves, tomou posse. Trinta anos depois, em março de 2015, os avisos aos governantes eram dados não por adivinhos, pelo barulho de panelas. A crise do governo Dilma Rousseff começava.
Neste março de 2020, a poesia do maestro parece distante. A luz do verão foi brutalmente eclipsada por um predador microscópico, o coronavírus. No dia 15, Jair Bolsonaro resolveu ir às ruas. Como César, ignorou alertas de bom senso — sanitário e político. As panelas já batem com força nas janelas das grandes cidades, onde a população, em quarentena, reclama por respeito. Março ainda não acabou.
As “promessas de vida” que Tom cantou foram adiadas. Só há a certeza de que nada será como antes.
Lydia é jornalista