Como outras milhões de pessoas, fui fisgada pelo Big Brother Brasil. De cara tive aquela sensação ambígua, a mesma mistura de repulsa e curiosidade provocada pelos filmes de terror —que a gente assiste tapando os olhos, entre os dedos. Mas logo percebi que dava para tirar algo dali: podemos, sim, olhar o BBB 21 pela lente da inovação política.
A figura central disso tudo é Lucas Koka Penteado, que, em pleno horário nobre da TV brasileira, desconstruiu a ideia de que desistir é uma fraqueza e que ser forte é continuar apanhando. Depois de ser isolado e humilhado, sabendo que permitir a violência nada mais é do que perpetuá-la, ele decidiu abandonar o reality show. E, com essa atitude, não deixou dúvidas de que preza e cultiva o autocuidado —uma prática política fundamental e, sim, inovadora.
Desde o início, enquanto uma espécie de ativismo narcisista tomava conta da casa do Big Brother, com a política da autopromoção guiando atitudes e reações de boa parte dos participantes, Lucas estava ali num registro completamente diferente. E isso certamente não veio desconectado de sua experiência de construção coletiva: em 2015, ele foi um líder secundarista durante as ocupações das escolas paulistas.
Você se lembra desse movimento? Começou contra a reorganização do Ensino Médio, que impactaria mais de um milhão de alunos no Estado de São Paulo. Contra essa medida, estudantes ocuparam escolas de maneira horizontal e deram um show de coletividade. Foi tudo autogestionado, decidido em assembleia, comunicado por jograis. E ainda tinha uma visão programática atrelada, com oficinas e atividades culturais relacionadas aos temas que eles queriam aprender em sala de aula. Além disso, os ocupantes cozinharam a própria comida e deixaram as escolas limpas e vivas como nunca. Fui ver de perto: foi impactante, daqueles dias em que a gente se enche de esperança por ter certeza de que testemunhou algo transformador. Então, se aquilo mexeu comigo, uma mera observadora, imagina o que não fez com os jovens que estavam lá dentro? Lucas era um desses.
Agora, anos mais tarde, no BBB, ele mostrou aos brasileiros que, na política, existe um abismo gigantesco entre quem discursa e quem faz. Hoje somos uma sociedade repleta de discursos sem prática —moralismos e textões politicamente corretos desprovidos da vivência do que é de fato uma construção coletiva. Pois a política que busca a diversidade deve vir essencialmente do exercício da coletividade. E, veja, não digo que você tem que ocupar uma escola ou se filiar a um partido. A diversidade e o diálogo podem ser exercidas em família, no trabalho, entre amigos.
Por outro lado, a militância lacradora não quer construir, quer destruir —isso rende likes. A raiva é essencial, a raiva transforma, mas, quando não há a prática política, o produto gerado não é a raiva, é o ódio. E é de lá que vem a violência. Ver todas aquelas pessoas mostrando em rede nacional o quanto estão perdidas pode ser muito triste, mas prova que o discurso vazio de experiência é insustentável.
A inovação política produz os imaginários que vão fortalecer a democracia do século XXI, construídos por aqueles que estiveram à margem do sistema político: mulheres, jovens, indígenas, pessoas pretas, das periferias, LGBTI. E, não, não é ideologia, é uma questão muito, muito prática. Como se muda algo com as velhas perspectivas de sempre? Impossível: um novo imaginário requer novos aprendizados. Só quem vive o problema pode apresentar as melhores soluções para ele.
Lucas é integrante dessa geração que, pouco a pouco, vai tirando a gente do buraco. Lucas é símbolo de uma juventude desperta, corajosa, livre, disposta a ser o que é e a incluir suas emoções na sua construção política. Lucas mostra que não há nada mais revolucionário do que escutar a si mesmo e respeitar limites —seus e dos outros. Isso é prática política, isso é inovação política.
O autoconhecimento e a empatia são, sim, uma revolução. Aos milhões de Lucas deste país: precisamos de vocês!
Beatriz Della Costa é cientista social, cofundadora e diretora do Instituto Update, organização da sociedade civil sem fins lucrativos. O artigo acima foi transcrito do jornal El País