Qual a semelhança entre a lesma e o camaleão? Aparentemente, quase nada, a não ser o fato de que podem se arrastar pelo chão. Ao estudar suas qualidades, identifica-se algo semelhante: a capacidade transformativa. O molusco, atingido por uma camada de sal, derrete e vira água. O lagarto tem a capacidade de vestir as cores do ambiente, do verde ao marrom dos galhos secos. (P.S. Criança, em minha querida cidade de Luis Gomes-RN, eu sofria para descobrir em que galho se escondia o camaleão na tamarineira do saudoso comerciante Chico Pascoal. O bicho se confundia com os galhos).
Esses dois transformistas foram os principais símbolos da campanha eleitoral. Centenas de candidatos saíram líquidos das urnas, devastados por sal grosso; outros, camaleões, ganharam solidez ao vestir o manto do momento, o voto do cidadão indignado. Os extremos foram pouco acarinhados e o meio do arco ideológico ocupado por um exército camaleônico.
A performance de candidatos ganha intensidade neste segundo turno, pois a disputa será entre dois com maior exposição midiática e condições adequadas para o eleitor traçar paralelos, comparar estilo.
O que tentam alguns transformistas:
Bruno Covas busca votos conservadores e evangélicos, fugindo de eventual colagem no presidente Bolsonaro. Sal neles, pensa Covas. Guilherme Boulos afasta-se daquela figura invasora de propriedades para se esconder na floresta da moderação. Mas cola sua imagem ao petismo, cuja rejeição é alta em São Paulo. Veste a cor da jovialidade, coragem, inovação, para atrair jovens, intelectuais, eleitores racionais.
E que transformações espera o PT? A pergunta angustia Lula, Gleisi e José Dirceu, este ainda vestido de velho guerrilheiro.
Nessa campanha o PT recebeu forte camada de sal grosso e quase derreteu. Agora o partido buscará se colorir com a tintura de novos líderes e renovação de quadros. Sofrerá na tentativa de ressurreição da luta de classes, ao resgatar o refrão “a esperança venceu o medo” ou na tese do Estado paquidérmico e gastador.
Bolsonaro e suas redes continuam a fazer as contas de ganhos, perdas e danos. Ganhos? Poucos. De mais de 70 candidatos com o sobrenome Bolsonaro, só o filho Carlos se elegeu vereador, mas com 35 mil votos a menos do que em 2016. Nem sua mãe, Rogéria, foi eleita. As redes jogam sal na campanha insinuando fraude. Coisa de Trumpiniquim, como diria o jornalista Eugênio Bucci. Bolsonaro não tem carta milagrosa para o segundo turno.
O governador João Doria ficará escondido nas tamarineiras do prefeito Bruno. Mas descortinará o palco onde ocorrerá a vacinação em massa da população. Os primeiros lotes da coronavac já chegam a São Paulo. João continuará trocando cargas de sal grosso com Bolsonaro.
Muitos olham para o poderoso (?) ministro Paulo Guedes: tende a ser camaleão ou lesma? O primeiro, a não ser que a economia entre em frangalhos, e assim será derretido pela cachoeira presidencial. Guedes aguarda feridos e vitoriosos, mas sua preocupação é com os colegas gastadores.
Em suma, e agora, José, o que fazer? As lesmas que se derretem com sal serão castigadas? E os camaleões políticos chegarão ao pódio do segundo turno?
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político