Tempo ameno aquele que cercou há quase um mês o encontro do ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, com ministros do Supremo Tribunal Federal e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para discutirem a ameaça do coronavírus.
Foi no último dia 16. O Brasil só tinha 234 casos confirmados e 2.064 suspeitos da desgraça que começava a atingir alguns países da Europa depois de assombrar a China. O governo destinara apenas R$ 5,09 bilhões para o combate que mal começara.
Na véspera, contrariando as recomendações médicas, o presidente Jair Bolsonaro recepcionara ao pé da rampa do Palácio do Planalto uma pequena multidão que fora às ruas pedir o fechamento do Congresso e do Supremo. Tocou com as mãos em 272 pessoas.
Antes do início da reunião, os participantes do encontro higienizaram as mãos com álcool em gel e evitaram o contato físico. Mandetta chegou a estender a sua para apertar as demais mãos, mas recolheu-a a tempo provocando risos discretos.
Combinou-se que pouco do que ali fosse dito poderia vazar para a imprensa. Um dos ministros perguntou a Mandetta quantos brasileiros poderiam morrer ao fim da pandemia. No cenário mais realista, respondeu Mandetta, algo como 280 mil. Sim, 280 mil.
Na semana passada, o governo de São Paulo anunciou que poderão morrer no Estado cerca de 111 mil pessoas se as medidas adotadas surtirem efeito. O Ministério da Saúde informou, ontem, que 23.130 casos foram confirmados e o número de mortos é de 1.328.
Tempo pesado, este, em que cientistas das universidades de São Paulo e da Nacional de Brasília estimam que o número de infectados na verdade já ultrapasse a casa dos 313 mil. E que o sistema de Saúde em São Paulo possa em breve entrar em colapso.
O Brasil é um dos países que menos aplicaram testes até agora para poder ter uma real dimensão da tragédia que se avizinha – embora seja o 14ª mais afetado pelo vírus. Numa lista de 15 grandes países, é o lanterninha no quesito testes.
Mandetta antecipara a compra de 22 milhões de kits de testes à China. Os Estados Unidos mandaram uma frota de gigantescos aviões para comprar à China tudo que estivesse à venda – de kits a respiradouros, máscaras, aventais e macacões.
E para completar a desdita do Brasil, o presidente da República, preocupado antes de tudo em salvar a Economia, boicota de todas as formas possíveis os esforços do seu ministro da Saúde no enfrentamento do vírus. Onde isso acontece?
Bolsonaro está à procura de um substituto para Mandetta, que sairia levando a equipe que o acompanha desde que assumiu o ministério. A arcar com tal o desgaste, Bolsonaro sabe que o ministro que escolher deverá pensar como ele, Bolsonaro.
O que significaria: ao fim e ao cabo da pandemia, seus resultados deverão ser debitados na conta do presidente. É por isso que Bolsonaro ainda hesita em mandar Mandetta embora.