Bolsonaro buscou, até à crise do coronavírus, manter-se fiel ao estereótipo desenvolvido na campanha que o elegeu. Ao longo do primeiro ano de governo, o presidente apostou no tensionamento da relação com os poderes Legislativo e Judiciário para passar a mensagem de que se posicionar contra o establishment era se colocar a favor do povo.
Sem os problemas do coronavírus, a estratégia do presidente já tinha problemas para se manter. O percentual de eleitores que aprovavam seu governo nunca ultrapassou 40% e, antes da pandemia, estava estacionado em 32%. Mesmo assim, Bolsonaro ainda se achou seguro, sensação refletida nos contínuos desafios feitos especialmente ao Congresso Nacional.
Com o agravamento da crise, no entanto, deu sinais de recuo. Apesar de sugerir o contrário, o presidente teme os efeitos sociais e econômicos produzidos pelo coronavírus. O medo é justificado: de 1980 para cá, o país passou por nove recessões econômicas. Em oito, o grupo dominante foi substituído.
A tão falada reunião ministerial do dia 22 de abril, mostra que o presidente entende sua situação frágil. O que se vê é, acima de tudo, Bolsonaro exigindo que seus ministros lhe sejam solidários, sob a pena do governo acabar antes do tempo.
Evidenciando as preocupações do presidente, há um acúmulo de ações com o objetivo de proteger o governo. No dia anterior à divulgação da reunião ministerial, por exemplo, Bolsonaro promoveu encontro transmitido ao vivo pela TV com governadores e presidentes da Câmara dos Deputados e Senado Federal para anunciar o envio de R$ 126,5 bilhões aos Estados e municípios até 2037.
Antes disso, iniciou negociações para construir uma base parlamentar com partidos de centro, criticados pela população como fisiológicos, mas que controlam a maioria do Congresso Nacional. O apoio se dará da forma tradicional, isto é, votos em troca da ocupação de cargos no Executivo, com o objetivo de formar número suficiente para enfrentar um eventual pedido de impeachment.
O general Braga Netto, ministro da Casa Civil, colocou pressão sobre o colega da Economia, Paulo Guedes, com a apresentação do Pró-Brasil, plano de obras públicas para recuperar empregos no momento pós-pandemia. Sem sequer um rascunho do que seria esse plano emergencial, a verdadeira intenção de Braga Netto foi alertar a ala liberal do governo de que o relógio político foi acelerado e medidas anticíclicas com impacto social são necessárias. Como consequência, Guedes prometeu algo para meados de agosto.
A equação sugerida, portanto, é que a fragilização atual e futura de Bolsonaro força um processo de moderação que, no médio prazo, pode ser positivo para a estabilização do ambiente político e melhoria das condições de gestão de crise. Entretanto, há duas variáveis que podem alterar esse equilíbrio e que precisam ser monitoradas.
A primeira – e mais improvável – é o fortalecimento da Bolsonaro. Sem que a reunião do dia 22 tenha demonstrado a materialidade das denúncias de interferência política do presidente na Polícia Federal, feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, reduziu-se o espaço para um processo de impeachment, restando a possibilidade de prosseguimento do inquérito no Supremo Tribunal Federal. Assim, se voltar a se sentir seguro, Bolsonaro pode a abandonar a moderação.
No curto prazo, porém, isso não é provável. A crise do coronavírus começou a ser precificada e a perspectiva é ameaçadora. Na pesquisa divulgada na semana passada pela XP/Ipespe, a aprovação do governo caiu abaixo do piso simbólico de 30% e atingiu 25%. Outro estudo, feito pelo instituto Paraná Pesquisas, mostra que Bolsonaro foi apontado por 35% dos entrevistados como o maior responsável pelas mortes ocasionadas pelo coronavírus.
A segunda variável é o enfraquecimento ainda maior do presidente Bolsonaro. Nesse caso, a instabilidade cresce bastante, especialmente com a previsão de piora da economia em razão da pandemia.
Leonardo Barreto. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) com especialização em comportamento eleitoral e instituições governamentais. Foi professor substituto da UnB e já coordenou mais de 50 estudos com parlamentares, jornalistas e autoridades do Executivo, nos planos federal, municipal e estadual. Ao longo de sua atuação profissional, acumulou profundo conhecimento empírico e científico sobre a lógica da ação política.