O Brasil está cheio de gente que, como eu, tinha enormes dificuldades para diferenciar uma espingarda de um fuzil ou para formar opinião sobre questões como o limite de 50 ou 100 cartuchos por arma ao ano para civis. A centralidade imposta ao tema pelo presidente da República no debate político, porém, está nos transformando a todos em especialistas em armamentos, munições e CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) – apesar de a maior parte da população brasileira não ter recursos e nem, provavelmente, vontade de comprar uma arma.
Longe de desconhecer a importância que o assunto possa ter para uma parcela das pessoas. O que não quer dizer que a conversa sobre armas justifique tanto tempo e energia gastos por parte do Planalto, do Congresso e do Judiciário. Sete decretos, um projeto de lei, um decreto legislativo suspendendo o primeiro decreto e uma quase declaração de inconstitucionalidade depois, nada mudou na vida de ninguém. Temos um assunto para lá de secundário mobilizando as atenções de um país em situação para lá de complicada.
Basta andar pelo Congresso para perceber isso. No mesmo dia em que o ex-articulador político do Planalto, Onyx Lorenzoni – destituído por Jair Bolsonaro mas sabe-se lá por que em plena atividade – foi negociar com os comandantes das duas Casas o vaivém dos decretos, a Comissão Especial da Câmara debatia a decisiva reforma da Previdência. Mas a pauta palaciana não era a inclusão dos estados na reforma, nem as mudanças na aposentadoria.
Também não era o Fundeb, o fundo de financiamento da educação nos estados e municípios, que precisa ser urgentemente renovado. O ministro Abraham Weintraub estava na Comissão de Educação, mas ficou poucos minutos lá, mostrou um power point de duas lâminas e saiu de fininho.
Saúde, emprego, direitos e programas sociais também vêm passando ao largo da narrativa do governo.
Outra distração do presidente da República é reclamar do Congresso por querer transformá-lo em ”rainha da Inglaterra“, usurpando seus poderes. Usurpando ou não, deputados e senadores têm tratado de temas fora da pauta das “abobrinhas “ – até porque alguém tem que fazer isso, governar.
Se olharmos bem, o chefe de governo e de Estado brasileiro vem mostrando irresistível vocação para rainha Elizabeth. Afinal, a soberana tem funções de representação de chefe de Estado, e ainda lhe sobra tempo para viagens, casas de campo, animais e caçadas.
Em estado de campanha eleitoral permanente, Jair Bolsonaro parece mais preocupado em manter felizes aqueles 20% de seu núcleo duro de apoio do que em governar. Acha que, com sua fidelidade, chega a 2022 em condições de disputar a reeleição e repete o feito de 2018 reagregando em torno de si as forças do antipetismo e as franjas da centro-direita. Pode estar redondamente enganado. Ninguém tem ideia do país que irá às urnas depois de mais três anos de desemprego e estagnação econômica se ele não governar. Melhor se candidatar a rainha.