Em seu livro “O progressista de ontem e o do amanhã”, Mark Lilla, intelectual da esquerda liberal dos Estados Unidos, faz uma profunda crítica à prioridade dada a causas identitárias, que teria sido grande responsável pela derrota do Partido Democrático para o republicano Donald Trump. Segundo Lilla, seu partido não tratou de questões comuns as pessoas mas apegou-se à bandeiras de nichos que, em vez de unir, muitas vezes dividem a sociedade.
No Brasil os partidos derrotados na sucessão presidencial ainda não fizeram uma reflexão semelhante sobre seu desastre eleitoral. Tateiam no escuro, sem um discurso capaz de promover sua reconciliação com os brasileiros. O maior partido de oposição, o PT, está preso ao passado, tendo como única bandeira o “Lula Livre”. De forma simplista, todos eleitores de Jair Bolsonaro são colocados em um mesmo saco pela esquerda, como se conservadorismo e reacionarismo fossem sinônimos.
Uma pesquisa da Fundação Tide Setubal joga luz ao debate para entender a cabeça de grande parte do eleitorado que votou em Bolsonaro. Não a dos fiéis radicais, mas daqueles que não são bolsonaristas na origem. A maioria dos entrevistados não se diz de direita, embora seja apegada a valores tido como conservadores, como a valorização do núcleo familiar, da religião e da ordem.
Esse cidadão entende que a desigualdade é o grande problema do país. Apesar de reconhecer a discriminação e aceitar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, é muito crítico às bandeiras identitárias e políticas afirmativas, como cotas raciais. Considera que essas questões jogam um brasileiro contra o outro.
Entender por que esse eleitor votou em Bolsonaro não é difícil. Para Mark Lilla, tal qual Trump, o presidente soube falar o que é comum aos brasileiros, por meio de temas transversais, enquanto os partidos de centro e da esquerda não empunharam a bandeira do bem comum. Paradoxalmente, o discurso do presidente estreitou pós eleição, voltando-se para seus nichos: caminhoneiros, evangélicos, entre outros. Isso explica, em grande medida, a perda de sua popularidade.
Se olharmos para nossa história recente, os progressistas se deram bem quando tiveram um discurso amplo, para todos os brasileiros. Assim foi com a bandeira a favor da democracia durante o regime militar ou com a estabilização da moeda e o Plano Real de Fernando Henrique Cardoso. E toda vez que a ala progressista priorizou bandeiras que dividem a sociedade, se isolou, amargou derrotas.
A pesquisa da Fundação Tide Setubal dá a pistas sobre duas questões presentes nas preocupações do brasileiro médio: ordem e igualdade. E o quanto ele é refratário a temas comportamentais.
Em artigo recente, cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, da UFBA, fez uma distinção interessante entre o conservadorismo e populismo reacionário, para propor a reconstrução de pontes entre conservadores e progressistas. Elas já existiram no passado.
Dialogar requer uma postura de escuta ativa. E nem sempre a verdade está com os progressistas. Valores como a defesa da família, da religião, da ética, do combate à corrupção não podem ser uma muralha a dividi-los. Guardadas as respectivas diferenças e características, que precisam ser assumidas e reforçadas, também é importante buscar consensos.
Não será surpresa que descubram que têm muito mais desafios em comum do que conflitos.