Nada demais que conservadores, patriotas e demais ramificações da direita extremada convoquem manifestações de rua para aclamar seu ídolo, um ex-capitão que o Exército afastou dos seus quadros por indisciplina e conduta antiética. O dito capitão até atentados terroristas planejou contra quartéis, além de ter complementado seu soldo bamburrando umas pedrinhas em garimpo no Mato Grosso.
Nada demais também que pretendam pedir o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. A seu juízo, uma ditadura seria melhor para o país do que a democracia que ainda temos. É uma questão de ponto de vista. E por mais absurdo que pareça, em uma democracia é, sim, possível pedir a sua extinção. Se o presidente da República, sem que nada lhe aconteça, defende a tortura… Tudo o mais pode.
Intolerável e criminoso é o comportamento de um presidente, que jurou respeitar a Constituição sob a qual foi eleito, unir-se aos que pregam o golpe repassando a seus seguidores uma mensagem golpista. Porque é disso que se trata o vídeo disseminado por Bolsonaro e, ao seu pé, assinado pelo “general Augusto Heleno e o capitão Bolsonaro”. Como se os dois o apoiassem na condição de militares que foram um dia.
Em mensagem postada na sua conta no Twitter, o general Santos Cruz, ministro de Bolsonaro até trombar com os filhos dele, já havia alertado para o desatino de se chamar uma manifestação de rua utilizando-se de uma foto de quatro generais – um deles, o vice-presidente da República. Como se o Exército chancelasse a iniciativa. E sem que os quatro generais retratados tivessem se pronunciado até então.
Exército é instituição do Estado, de governo não é. Governos passam, as Forças Armadas são permanentes. Misturar a farda com os ternos do governo, de qualquer governo, poderá fazer bem ao governo, mas só fará mal à farda. Um presidente acidental como Bolsonaro, que no passado destacou-se como um malsucedido sindicalista militar, apelou à caserna para governar sabe-se lá com qual propósito. Ou sabe-se.
Nem por isso, sob o risco de degradar-se, a caserna deveria permitir-se docilmente ser usada. No passado, eram as vivandeiras de quartéis que seguiam as tropas em marcha levando ou vendendo mantimentos. Por mais que os chefes militares rejeitem a ideia, a equação foi invertida. As tropas passaram a seguir as vivandeiras, aquelas que hoje lhes oferecem emprego, casa, roupa lavada e outros privilégios.
Os militares nunca se conformaram com o fato de terem largado o poder depois da ditadura que se esgotou e da maneira como se esgotou em 1985 – aos gritos de fora, de eleições diretas para presidente, de democracia já. E sem que tivessem devolvido aos civis o país que haviam prometido – em franco crescimento, sem inflação e menos corrupto. A eleição de Bolsonaro foi a hora da revanche tão esperada.
Eles estão de volta, por mais que neguem. E jamais desejarão que a volta se esgote no curto prazo de quatro anos. Ou de oito. Visceralmente de direita dada à sua formação, tudo farão para que Bolsonaro suceda a ele mesmo, e para que em seguida ao Bolsonaro reprise suceda o Bolsonaro vale a pena ver de novo – se necessário, apenas menos brucutu. Mas igualmente confiável e farda dependente.
Isso não quer dizer que estejam dispostos a romper com a legalidade. A Guerra Fria já acabou. Quer dizer que dentro dela, contribuindo ou não para enfraquecer seus contrapesos, não renunciaram e não renunciarão ao projeto de construir o país dos seus sonhos escolares. Se antes se valeram de armas, agora talvez possam empregá-las apenas como instrumentos de ostentação para meter medo e convencer.
Os constituintes de 1988 não revolveram o que fazer com as Forças Armadas. Não souberam ou não quiseram deixar claro quais seriam suas atribuições. A anistia de 1979 beneficiou mais os militares que foram à guerra contra a esquerda do que à esquerda que pegou em armas para derrubar o regime. Aos que discordam dessa volta ao futuro anunciada desde a ascensão ao poder de um ex-capitão tosco, só resta resistir.