Estágio avançado de insanidade, loucura aprofundada pelo ostracismo depois de anos de fama, lance de marketing mal avaliado. Tudo, ou nada disso. Seja lá o que for, de caso pensado ou por ironia do destino, a chocante revelação do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que planejou assassinar o ministro Gilmar Mendes, serviu para que em menos de 24 horas o STF passasse de vilão a vítima.
A confissão do tiro não disparado e do crime não realizado reorientou os holofotes até então concentrados na decisão tomada no dia anterior pela Corte Suprema, que, com doses de interpretação criativa, alterou o entendimento quanto à equidade dos réus perante a lei e das fases finais do processo penal.
Mesmo sem o alarmismo dos lavajatistas de plantão, que chegaram a anunciar o risco de nulidade de 143 condenações, o novo entendimento pode até não alterar muitas das penas já proferidas, mas permitirá centenas de recursos, boa parte deles protelatórios. Ao fim e ao cabo retardará ainda mais a já paquidérmica Justiça, em que os processos não apreciados aumentam o rol das prescrições e da impunidade.
O debate sobre a inusitada decisão, que só será finalizado na quarta-feira, quando o presidente do STF, Dias Toffoli, pretende anunciar o que ele chamou de regramento – possivelmente estabelecendo parâmetros que, a rigor, deveriam ser determinados pelo Parlamento -, acabou ofuscado pelas inconfidências de Janot.
Na sexta-feira, o ativo STF, por meio do ministro Alexandre de Moraes, tratava de determinar uma ordem de busca e apreensão na casa do ex-procurador-geral. Algo impróprio, no mínimo discutível. Pelo ordenamento em vigor não é tarefa de juizes, sejam eles da primeira, segunda ou qualquer instância, determinar investigações. Mais: fazê-lo sem a existência de um crime, apenas a partir do reconhecimento de uma insânia, que, por mais terrível, felizmente não se materializou.
Goste-se ou não, ninguém pode ser acusado por ter pensado em matar quando não causou prejuízo de espécie alguma a qualquer um. E os ministros do STF têm obrigação de saber disso.
Mas em um país em que a Lei está quase sempre sujeita à conveniência, a Corte Suprema escolheu o caminho da espetacularização, que ela tanto diz recriminar, desviando as atenções de si. Tem-se então a apreensão pela Polícia Federal, com direito a intensa cobertura televisiva, de uma pistola e um computador de um “suspeito confesso” por um crime não cometido.
Sem tirar nem por, a Corte usou o tiro não disparado como escudo para os tiros que ela descarrega contra o país.
O fatiamento da punição do impeachment de Dilma Rousseff, acordado e endossado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que o diga. Ou as decisões monocráticas em série para soltar gente que as instâncias inferiores mandam prender. Ou ainda, entre tantas, a celeridade com que aprovou a delação dos irmãos Batista contra o ex-presidente Michel Temer – um recorde de dias.
Joesley e Wesley Batista, aliás, são provas vivas de que esta não é a primeira vez que o polêmico Janot causa.
Responsável pelo generosíssimo perdão concedido aos donos da JBS, mais tarde revisto por ele próprio e definitivamente suspenso por sua sucessora, Raquel Dodge, Janot nunca explicou por que correu tanto contra Temer. Muito menos por quais motivos um de seus auxiliares estava metido naquela encrenca. E do outro lado do balcão.
Agora, abre sua metralhadora giratória. E espalha medo. Afinal, se do nada confessou ideias assassinas, imagine o que dirá se acuado. Alvos insones vão correr para ricochetear tiros. Provavelmente, com aval do Supremo.
Mary Zaidan é jornalista