Nem mesmo o mais arguto dos analistas imaginava há um ano atrás que Jair Messias Bolsonaro chegaria em março na condição de pole position nas pesquisas, na hipótese provável de a foto de Lula não estar na urna eletrônica. O senso comum era a decantação natural do candidato da extrema direita, assim que Lula ficasse inelegível pela lei da Ficha Limpa.
Aparentemente havia lógica no raciocínio, pois Lula e Bolsonaro se alimentavam da polarização regressista esquerda-direita. Hoje as pesquisas indicam que havia mais desejo do que realidade nessa análise.
Premonições otimistas vem sendo desmentidas pelos fatos. Quando Bolsonaro tinha 8% das intenções de voto, dizia-se que aquilo era fogo de palha.
Mesmo agora continua sendo subestimado. Dá-se de barato que definhará quando a campanha chegar na fase professional – falarão mais alto as coligações partidárias, tempo de TV e rádio, palanques regionais. No frigir dos ovos, não haveria espaço para um outsider e a eleição seria definida à moda antiga.
Por isso Ciro Gomes enxerga um segundo turno com o governador Geraldo Alckmin. A projeção do PT é de que seja alguém que substitua Lula no embate com Alckmin, opinião compartilhada pelos tucanos. Rodrigo Maia pensa de forma semelhante, só que com ele no lugar do paulista.
O senso comum do mundo político peca por não levar em consideração movimentações da sociedade. Os menos de dois dígitos que se viam antes da delação da Odebrecht se transformaram em liderança.
O salto abrupto se explica pela migração de parte do eleitorado histórico do PSDB, desencantado com o envolvimento de lideranças tucanas nos escândalos.
A delação da JBS aprofundou esse movimento. Com os principais partidos atolados no lodaçal, Bolsonaro, por mais veterano que seja, passou a ser visto como o novo, o Suplicy da extrema direita, “diferente de tudo que está aí”.
O deslocamento é visível em São Paulo onde Bolsonaro aparece à frente de Alckmin, segundo o Instituto Paraná. O agronegócio do centro-oeste acompanha essa onda.
A crise de segurança joga a seu favor. Sua resposta autoritária aos anseios da sociedade de ética e ordem capturou segmentos que não se reduzem aos nostálgicos da ditadura e aos fundamentalistas evangélicos.
O peso da bandeira ética aparece com nitidez na pesquisa do Ibope divulgado nesta terça. 82% dos entrevistados consideram importante o candidato não ter envolvimento em qualquer esquema de corrupção.
Pode não ser um movimento cristalizado. Sua reversão, contudo, só acontecerá se o campo democrático der resposta satisfatória às bandeiras da ética e da ordem.
Bolsonaro não tem, ainda, o passaporte para o segundo turno. Mas sua vida está sendo facilitada por dois fatores: 1) O centro e a esquerda estão atomizados em várias candidaturas. É bom lembrar que em 1989 Lula passou para o segundo turno com 16,08% dos votos. 2) Bolsonaro tem sido poupado porque é o adversário dos sonhos de todos os candidatos numa segunda etapa eleitoral.
A ideia de que será derrotado por qualquer um que for para o segundo turno pode ser mais uma leitura cor de rosa. É melhor não pagar para ver e levá-lo a sério desde já.
Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo