Não é coincidência, muito menos caso impensado. Na mesma semana em que o filho Flávio se enroscou ainda mais nas investigações que apuram movimentações suspeitas em dinheiro vivo dos tempos em que o 01 era deputado estadual, o pai presidente eleva o tom de ódio e recrudesce as relações com o Parlamento, ao qual diz não pretender se “sucumbir”.
Voltou a tratar aliados como inimigos e divulgou entre os seus, com nítido propósito de que vazasse velozmente, um texto de um autor desconhecido, classificando o país como “ingovernável fora de conchavos”. Mais tarde, soube-se que era da lavra de um ex-candidato a vereador, Paulo Portinho, que jurou preferir o anonimato.
Tudo, ao que parece, para ofuscar as apurações do Ministério Público do Rio, que a primeira família atribui a um movimento orquestrado para derrubar o presidente.
“Estão fazendo esculacho em cima do meu filho”, esbravejou o capitão, com o seu elegantíssimo linguajar.
Flávio, que por duas vezes se negou a comparecer ao MP-RJ para prestar depoimento, mantém o ataque como defesa. Diz-se perseguido por ser filho do pai. Mas não consegue explicar nenhuma das acusações que pesam sobre ele. Nem a que envolve “rachadinhas” do salário de funcionários de seu ex-gabinete estadual e, muito menos, as operações imobiliárias milionárias.
Longe do país, em uma viagem inventada não por acaso para o dia da primeira grande manifestação contra o seu governo, Bolsonaro saiu em defesa do filho, chutando paus e barracas para todo lado, enquanto via se materializar o que considerava inimaginável, sua única grande realização até aqui: a ocupação das ruas contra ele.
Gente de esquerda que andava desenxabida se animou. Movimentos de estudantes, há tempos sem bandeira, entoaram palavras de ordem. E outros tantos, decepcionados, foram purgar o arrependimento nas mesmas ruas que ocuparam para expurgar o PT, legenda que continuam rejeitando, mas sem ter o que por no lugar. Um desencanto expresso com todas as letras pelo compositor Lobão, até poucos dias um bolsonarista ferrenho, ativíssimo nas redes sociais: “Esse governo é um desastre”.
Bolsonaro escolheu Dallas, onde foi receber o título de Homem do Ano conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em um almoço improvisado para 100 convivas, para desancar os manifestantes brasileiros. Lá, mais vexame. Sem agenda de chefe de Estado – nem um mero encontro empresarial -, foi cordialmente recebido pelo republicano George Bush, mesmo sem ter sido convidado, como informou o assessor do ex-presidente americano.
Enquanto isso, por aqui o dólar disparava e a Bolsa despencava.
Vereador por dois anos e deputado federal por mais de duas décadas e meia, Bolsonaro pode até inventar uma grande conspiração contra ele para justificar sua coleção de fracassos. Tentar lançar a culpa no Congresso, agora inimigo. É do jogo. Não será nem o primeiro nem o último a fazê-lo.
Mas querer se passar por santo depois de se lambuzar nas benesses da baixa política, ofício que escolheu após se livrar de um inquérito militar e deixar o Exército, e para o qual patrocinou três de seus filhos e empregou uma dúzia de parentes de sua ex-mulher, é ter em conta que todos os brasileiros são idiotas. À exceção, claro, dos “úteis” que o elegeram.
As investigações se aproximam como tsunami. Será inútil tergiversar.
Mary Zaidan é jornalista