Imagine a cena.
Ao fim do encontro diário com os repórteres que cobrem o Palácio do Planalto, depois de discorrer como sempre sobre assuntos destinados ao esquecimento imediato, o general Otávio Rêgo Barros, porta-voz da presidência da República, está prestes a se despedir com sua saudação habitual (“Paz e bem”) quando do fundo do auditório lhe é feita a última pergunta:
– A propósito, general, o presidente Jair Bolsonaro fez algum comentário sobre o dossiê da suruba que disse ter recebido?
Na Casa Branca, em Washington, uma pergunta como essa provocaria risos na assistência e, a depender do dia, talvez chamasse alguma atenção. Ali já se ouviu de tudo. O porta-voz de Bill Clinton foi obrigado a responder durante meses sobre a marca do esperma presidencial encontrada no vestido da ex-estagiária Monica Lewinsky. Por pouco, Clinton escapou de perder o mandato.
Mas aqui, não. Aqui causaria estupor a pergunta sobre o dossiê da suruba que, segundo admitiu indiretamente Bolsonaro, o fez desistir no passado de convidar para ser seu vice o atual deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP). Nenhum repórter a faria por duplo medo: o de perder a credencial que lhe dá acesso ao palácio ou, no extremo, o próprio emprego.
Paz e bem ao general porta-voz que não corre o risco de ouvir nada de parecido, embora não haja, hoje, assunto mais comentado nas redes sociais do que o dossiê da suruba. Compreensível. Tratado como “O Príncipe” pelos que o conhecem por ser um dos herdeiros da família imperial brasileira, Luiz Phillipe foi o responsável por detonar a polêmica que promete ter vida longa.
Em encontro com Bolsonaro e outros deputados do PSL no Palácio do Planalto, Luiz Phillipe diz ter travado com ele o seguinte diálogo:
– Príncipe, estou te devendo eternamente…
– O que é isso… Deve nada, presidente! – respondeu o príncipe.
– Devo sim. Você deveria ter sido meu vice, e não esse Mourão aí. Eu casei, casei errado. E agora não tem mais como voltar atrás.
A Mônica Bergamo, colunista da Folha de S. Paulo, o príncipe confidenciaria mais tarde:
– O Bolsonaro não precisava de mim para ganhar a eleição. Precisava de alguém que fosse simplesmente leal. Na época, até fiquei aliviado porque ele me liberou para fazer outras coisas.
O tal dossiê reuniria fotos de Luiz Philippe em uma suruba gay. E teria sido entregue a Bolsonaro por Gustavo Bebbiano – à época presidente do PSL, depois ministro da Secretaria-Geral da Presidência e, por fim, alvo de mensagens postadas no Twitter pelo vereador Carlos Bolsonaro que o queria fora do governo e distante do seu pai. Bebbiano foi abatido, mas não se abateu.
Uma vez citado no caso da suruba, gravou um vídeo onde oferece sua versão da história. Segundo ele, Bolsonaro recebeu “de um delegado federal e um coronel do Exército” informações contra “o príncipe”. O dossiê incluía imagens do deputado em uma suruba gay e relatos de agressão a moradores de rua. Coube a Bebbiano, instruído por Bolsonaro, comunicar ao “príncipe” que ele dançara.
À falta de um vice melhor, Bolsonaro escolheu o general Hamilton Mourão Filho, com quem viveu às turras nos seus primeiros meses de governo. Mourão teimava em comportar-se com sensatez em contraposição ao chefe. Apanhou feio de Carlos e do autoproclamado filósofo e guru da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Mas resistiu. Vice só deixa de ser o que é se renunciar.
Em tempo: sem perder a elegância nem elevar o tom da voz, o “príncipe” nega que seja ou que tenha sido gay um dia. Nega ter participado de suruba. Nega ter agredido moradores de rua. Fica o registro. “God save the emperor”. E segue o baile.