Entrei em pânico. Desatei a chorar. Fui flagrado: “O que aconteceu?”. Para não render muito, fui sincero: “Não é o que aconteceu. É o que aconteceu com a gente e está acontecendo com todo mundo. Quando é dia de sol, fico triste porque Sol é vida; quando é dia de chuva, choro com a Natureza. Solidários”.
Ela fez um carinhoso convite: “vamos conversar”. Imperdoável grosseria não aceitar; injustificável desapreço com a psicanalista, profissional da escuta e da fala. Narrativa conhecida: tristes emoções, alimentando a angústia na medida em que descrevia o cenário brasileiro e um futuro sombrio para as novas gerações.
Com trinta anos de experiência conjugal, foi cautelosamente objetiva: “busque a ajuda de um terapeuta”. “OK, de preferência, homem. Temo um acesso da ‘síndrome de Vinicius de Moraes’. Mudo até a terceira sessão, a terapeuta perguntou: ‘em que o senhor está pensando?’” Com hesitação, Vinicius respondeu ‘nas suas pernas. Elas ainda são muito bonitas” (O Poeta da Paixão. José Castello. Companhia das letras. 1994, p.231). Ele não voltou.
No meu caso, a gentil secretária me comunicou que o psicanalista ia demorar: estava na própria terapia. Compreendi. O mundo está doente e o tempo congelado. Leitura de Jornal a dicionário, filmes nos streamings, The father, merecidamente elogiado. Senti-me o próprio personagem de Hopkins a caminho da demência. Troco pelo enredo vulgar do narcotráfico e limpar as vistas com as muchachas sensacionais. E daí? Me atraco com Alprazolan e apago a cabeça cheia de números aterradores de uma tragédia global.
Escrever um artigo? Banal. Todo mundo vê e sabe tudo. Opina, receita. O que não faltam são epidemiologistas, pneumologistas, e especialistas em vírus que existem e estão por vir. O Governo é um capítulo à parte: merecido personagem central da tragédia pandêmica com uma projeção 800 mil vítimas letais.
Sinto falta de Paulo Francis, Stanislaw Ponte Preta e Nelson Rodrigues. Eles enxergavam as entranhas doloridas do País com humor inteligente, sarcástico e ferino, senão, não seria humor.
Paulo Francis seria contaminado e não deixaria a trágica Nova York. Diria “prefiro morrer civilizadamente”.
Stanislaw Ponte Preta, boêmio, se recolheria a um SPA com as “certinhas”, belas vedetes e muito “uísque cloroquina”.
Nelson Rodrigues veria, assombrado, o crescimento da legião dos “idiotas da objetividade”, dos canalhas como o cunhado Palhares e chegaria à conclusão de que, em Brasília, todos são inocentes e cúmplices. O Brasil, aos olhos do mundo, tornou-se um vira-latas sarnento.
Gustavo Krause foi ministro e governador