O mundo político emprega todas as suas energias na discussão sobre quem ganhou a eleição, se foi o centro ou a direita cheirosa, e o que eles e seus partidos podem fazer com isso para manter o poder de cada dia e chegar mais ou menos fortes a 2022. Uma canseira. Na vida real, a Covid-19, insidiosa, volta a lotar os hospitais. A média móvel de mortos aumentou 45% nos últimos 15 dias. Há tendência de alta em 14 estados, que registraram um crescimento de 71% no registro de casos.
Tecnicamente, talvez nem se possa chamar esse recrudescimento da pandemia de segunda onda, já que, aqui, a primeira nem acabou. Pouco importa a designação, porém, diante da perspectiva de repetição de uma tragédia. E da atitude do governo Bolsonaro diante da tragédia.
Há semanas o fantasma já vem rondando, com notícias de que o vírus voltara a atacar forte nos países europeus, o primeiro sinal do que poderá acontecer em breve no Brasil, como ocorreu na primeira onda. Por aqui, depois da retomada gradual das atividades nas escolas, na indústria e no comércio, o brasileiro, até com razão cansado, parece ter perdido de vez o controle. O que temos visto são aglomerações nas ruas, restaurantes cheios, praias lotadas, transporte público entupido e até festa nos vizinhos. Cada vez menos cuidado com máscaras, álccol, etc.
O que o governo faz diante disso? Nada, como pouco ou nada fez quando, no início do ano, já víamos a pandemia tomar conta da Europa, contaminando, matando, fechando tudo, bloqueando fronteiras e alguém aqui falava em “gripezinha”. Ela chegou e deu no que deu: mais de 5 milhões de casos, em situação de óbvia subnotificação, e quase 170 mil mortos. E é bom lembrar: naquela época, quem ocupava o Ministério da Saúde era Luiz Henrique Mandetta, e não Eduardo manda-quem-pode Pazuello.
É óbvio que o atual ministro não vai peitar o presidente da República para tomar providências com o objetivo de proteger a saúde da população – providências que, aliás, talvez ele nem saiba bem quais são. Tudo indica que a inépcia, o improviso e a irresponsabilidade com os quais Bolsonaro enfrentou a situação pela primeira vez vão se repetir. O presidente não se sensibilizou, não aprendeu nada, nem mudou para melhor – e temos tido provas diárias disso. Para Bolsonaro, a segunda onda é “conversinha”, do jeito que a primeira foi “gripezinha”.
Justiça seja feita ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que anunciou que haverá pagamento de auxílio emergencial em caso de segunda onda, ainda que, supõe-se, em valor menor. Mas integrantes de sua equipe, ansiosos pelo ajuste fiscal que se faz necessário, entraram na negação bolsonarista. Já decretaram que são “baixíssimas” as chances de um retorno da pandemia, alegando que a maioria das grandes cidades brasileiras teria alcançado a tal “imunidade de rebanho”.
Não é o que os médicos dizem, e só não vê quem não quer os seguidos alertas que vêm fazendo na mídia, pregando a retomada de medidas como o isolamento social e manifestando enorme preocupação com as festas de fim de ano. Não é também a opinião de economistas independentes, que começam a ver no horizonte sinais da nova catástrofe.
Todo mundo sabe que, de onde menos se espera, é que não sai nada mesmo – e aqui falamos do governo Bolsonaro e sua ignorância de rebanho. É urgente e imprescindível que as instituições do Legislativo e do Judiciário, incluindo políticos e candidatos neste segundo turno, comecem a olhar para o tsunami que se aproxima da praia. Só vota em 2022 quem ficar vivo.
Helena Chagas é jornalista