Na lista dos países mais violentos do mundo, o Brasil tem sido marcado, historicamente, por casos envolvendo o uso de armas de fogo. De acordo com dados do Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o País registrou 43.892 mortes por arma de fogo em 2019, o que representou uma taxa de 20,5 mortes a cada grupo de 100 mil habitantes. É um patamar bastante elevado se comparado ao de outras nações. Para se ter uma ideia, a taxa de homicídios por arma de fogo nos Estados Unidos – um país conhecido por sua cultura de porte de armas e forte lobby das empresas do setor – é de 4,5 mortes para cada 100 mil habitantes, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. Outros países latino-americanos também apresentam altas taxas de homicídios por arma de fogo, como a Colômbia (31,9), México (23,1) e Venezuela (16,9).
No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, houve uma flexibilização das regras e do aparato de controle para venda e porte de armas no País, o que levou especialistas a temer pelo desmonte completo da Lei do Desarmamento, de 2003. “O tema vira polêmico e sensível porque é tratado de forma política e ideológica”, afirma Salesio Nuhs, CEO Global da fabricante de armas Taurus. Ele tem mais de 30 anos de atuação no segmento, coordenou em 2005 campanha do referendo popular sobre o comércio de armas de fogo no Brasil e foi responsável pela reestruturação da Taurus no País e nos EUA. Em entrevista à coluna, ele defende a criação de uma agência reguladora para esse mercado, o que, na sua avaliação, poderia “contribuir para despolitizar o assunto no País”.
As cifras são gigantescas. Esse mercado movimenta cerca de R$ 13 bilhões por ano no Brasil. Fundada em 1939 por empresários do Rio Grande do Sul, a Taurus é líder mundial no segmento chamado de armas leves, e mantém negócios em mais de 100 países. Em 2022, sua receita líquida chegou a R$ 2,5 bilhões. A seguir, a entrevista de Nuhs:
Falar de armas é tratar de um tema sensível. Como o sr. analisa esse mercado hoje no País?
O grande problema, como eu costumo dizer, é politizar esse ou qualquer outro segmento de negócios do Brasil. A Taurus é uma Empresa Estratégica de Defesa (EED), nomeada pelo Ministério da Defesa em 2013 e, consequentemente, auditada regularmente por esse ministério. O Estado brasileiro reconhece a Taurus como uma empresa necessária e estratégica para a soberania nacional. O tema vira polêmico e sensível porque é tratado de forma política e ideológica. No meu entendimento, se fosse criada uma agência reguladora, a exemplo de outras existentes no Brasil, isso contribuiria para despolitizar o assunto e tratá-lo com a responsabilidade, por ser um segmento de interesse estratégico da defesa e da segurança pública brasileira.
Ser flexível no controle de aquisição de armas ajuda ou atrapalha o negócio no País?
O Brasil nunca foi flexível no controle e aquisição de armas de fogo. A legislação de armas de fogo no Brasil é uma das mais rigorosas do mundo. Inclusive, no caso de munições, a indústria nacional é pioneira em marcação de munições, sendo o Brasil o único país do mundo que faz esse controle. A indústria nacional consegue rastrear e identificar os seus produtos em qualquer nível. Portanto, não vejo que exista flexibilidade no controle de armas. Muito pelo contrário.
Como o Brasil se posiciona em relação a outros países nesse mercado? Está equiparado, atrasado, avançado tanto em termos de legislação quanto em investimentos, inovação e tecnologia?
O investimento em defesa e segurança pública no Brasil não é adequado. Isso não é um posicionamento meu, já que não sou especialista em defesa nacional e em segurança pública, mas é o que evidenciam as estatísticas. No ranking de investimentos em defesa militar, o Brasil é o 17.º país, segundo levantamento do Instituto Estocolmo para a Paz Mundial (SIPRI, na sigla em inglês). O país investiu cerca de US$ 19,2 bilhões na área de defesa em 2021, 4,3% a menos do que no ano anterior. Já os EUA, primeiro do ranking, investiu US$ 801 bilhões. O orçamento de defesa do Brasil representa 1% dos gastos militares globais. No ranking do Global Fire Power, que analisa os efetivos militares ativos disponíveis de 142 países sob o indicador PowerIndex, o Brasil ocupa o 10.º lugar. A maior parte dos recursos aplicados no setor passa longe do desenvolvimento da defesa no país. Cerca de 80% dos gastos militares são destinados para a área administrativa, para pagamentos de aposentadorias e pensões, por exemplo.
E em relação à segurança pública?
No que se refere aos investimentos com segurança pública no Brasil, a União e as prefeituras reduziram os gastos em 2021, de acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maior retração ocorreu nos municípios: 7,5%. Já a União diminuiu o gasto no setor em 3,4%. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, os recursos oriundos da loteria federal tornaram-se exclusivamente a fonte de receita dos dois principais fundos da área de segurança pública. Isso significa, portanto, que o governo federal reduziu as despesas na área. Entendemos que o Brasil precisa de muito mais investimento, principalmente em inovação e tecnologia, áreas que a Taurus considera de extrema importância. Investimos demais em inovação, tecnologia e desenvolvimento das pessoas na Taurus.
Como o sr. avalia o mercado internacional de armas? É promissor? Por quê?
A Taurus exporta, em média, 80% da sua produção. O mundo está investindo na área de defesa e segurança. Segundo levantamento do Instituto Estocolmo para a Paz Mundial, publicado em 2022, os gastos militares mundiais chegaram a US$ 2,1 trilhões em 2021, valor 0,7% maior do que em 2020 e 12% maior do que em 2012. Pelo sétimo ano consecutivo, os gastos militares tiveram aumento no mundo. A Guerra da Ucrânia e as tensões entre EUA e China na Ásia colocaram o mundo em rota de aumento dos gastos militares, com ao menos 20 países anunciando incrementos nos orçamentos de defesa em 2022. Rússia, Europa e Ásia tiveram aumentos reais, acima da inflação, nas despesas bélicas ao longo do ano passado. Além disso, esse é um mercado que cresce nos Estados Unidos, que é o maior mercado de armas do mundo, 7% ao ano nos últimos 20 anos. Portanto, o mercado internacional é importante e tem uma alta demanda, por conta da preocupação das pessoas com a defesa pessoal, da família e da propriedade, e também para a segurança pública e soberania nacional.
O Brasil é considerado um dos países mais violentos do mundo. Como vê isso estando à frente de uma empresa como a Taurus?
Eu acho que isso não é um desafio por eu estar à frente de uma empresa como a Taurus. Eu acho que é preciso despolitizar o tema e avaliar as causas da violência no Brasil. Em 2022, o Brasil registrou o menor número de assassinatos da série histórica compilada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública desde 2007 e pelo Monitor da Violência, que coleta dados desde 2018. Houve uma redução de mais de 18 mil casos de mortes no país por ano, desde 2018. Isso considerando os últimos quatro anos, onde mais de 1 milhão de armas novas foram registradas. O número de licenças para armas de fogo subiu 473,6% de 2018 a 2022, segundo dados do Anuário de Segurança Pública. O aumento dos registros de armas no país, no entanto, não contribuiu para o aumento da violência. Pelo contrário, houve uma redução.
A Taurus lançou recentemente supressores – silenciadores – e novos modelos de revólveres. São necessários novos investimentos nesse setor? Por quê?
A inovação em materiais além de propiciar maior competitividade, traz diversos benefícios ao Brasil, contribuindo para o desenvolvimento, crescimento econômico e geração de renda e emprego para a sociedade. Para se ter uma ideia, o setor de armas e munições emprega mais de 70 mil pessoas, registra anualmente faturamento de cerca de R$ 13 bilhões e recolhe aproximadamente R$ 2,8 bilhões em impostos por ano. A Taurus investe muito em tecnologia, inovação e desenvolvimento das pessoas promovendo impactos positivos na economia, na sociedade e no meio ambiente. Nos últimos dois anos, foram investidos mais de R$ 330 milhões em estrutura física (renovação do parque fabril), em P&D (pesquisa e desenvolvimento) e em modernos equipamentos. Esse aporte, além de agregar valor aos produtos Taurus, agregam valor ao Brasil, possibilita o aumento da qualificação das pessoas, torna os processos mais eficientes, consequentemente reduzindo a geração de resíduos, efluentes e emissão de poluentes, agrega valor às reservas minerais brasileira com o desenvolvimento e utilização de novos materiais, gera empregos e incentiva programas de inclusão social, como o Taurus do Bem que visa promover a inclusão de pessoas com deficiência intelectual no ambiente de trabalho, possibilitando o desenvolvimento pessoal e profissional por meio de capacitações técnicas.
Poderia dar mais detalhes?
A indústria estratégica de defesa tem papel importante na segurança nacional, na economia e no apoio e desenvolvimento de novas tecnologias. As principais tecnologias do mundo vieram da área de defesa, como a internet, GPS, microchips, VANT (veículos aéreos não tripulados, que no mercado civil são popularmente conhecidos como drones), dentre tantas outras.
A Taurus tem parcerias inéditas com renomadas instituições de ensino que atuam em linha com as mais avançadas soluções tecnológicas do mundo e é a empresa do setor que mais investe e desenvolve tecnologias de materiais, de processos e produtos. Inclusive, investe fortemente na capacitação e desenvolvimento contínuo das pessoas, por meio de seu programa de qualificação acadêmica e profissional que visa contribuir com a educação continuada dos colaboradores em cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado. Toda nossa equipe de profissionais é qualificada no Brasil, isso é muito importante, principalmente por tratar-se de execução de atividades especializadas que demandam formações específicas na área.
Um exemplo da forte estratégia da empresa baseada na formação das pessoas é o programa realizado no Centro Integrado de Tecnologia e Engenharia Brasil/EUA (CITE) da Taurus para capacitar engenheiros de produtos, processos e qualidade. Atualmente, o CITE conta com mais de 200 engenheiros formados e que atualmente desenvolvem projetos de novos produtos, processos e tecnologia, agregando valor aos produtos, reduzindo custo de produção e adotando as melhores práticas.
O Centro Integrado de Tecnologia e Engenharia Brasil/Estados Unidos – CITE é base do forte ritmo de lançamentos da companhia e o pioneirismo está entre as qualidades que levaram a Taurus a ocupar um lugar destaque na indústria. A partir do lançamento da primeira arma com grafeno, a GX4 Graphene, a Taurus iniciou a terceira geração de pistolas, uma tecnologia inédita desenvolvida em território nacional para o resto do mundo. E seguimos inovando.
*A coluna voltará em Junho com informações exclusivas sobre economia e negócios, análises, bastidores e entrevistas com liderança dos mais diversos setores.