Finda a pandemia de Covid-19, psicólogos como Marcelo Veras e Scott Lyons apontam a existência de uma epidemia de mal-estar, sendo que para Lyons trata-se de uma epidemia de drama. Ambos, cada um à sua maneira, apontam as redes sociais como vetores dessa epidemia que alcança níveis globais. A questão, para nós brasileiros, é mais relevante porque somos uma das nações mais conectadas à internet.
Para entender o que se passa, proponho comentar cinco vetores que considero relevantes neste tema que são potencializados pela intensidade do uso das redes sociais no país. O primeiro desses fatores não é novo: a crescente descrença nas instituições públicas agravada pelas expectativas frustradas em relação às entregas dos governos. Entre as instituições, apenas o Corpo de Bombeiros recebe nota boa.
O segundo fator é o crescente aumento da desigualdade. Sociedades desiguais ficam insatisfeitas quando se veem atingidas pela exacerbada concentração de renda, pelo precário acesso aos serviços públicos. Tudo agravado pela existência reiterada de episódios de violência urbana, racismo, homofobia e misoginia, pelos quais os mais pobres são afetados de forma mais aguda.
Emendando com o anterior, no terceiro fator temos a hiperexposição de pessoas nas redes sociais, o que incentiva a vivência em uma realidade paralela, distante e inalcançável para a grande maioria. Tal fato pode ser estimulador de comportamentos doentios como bulimia, ansiedade, depressão, entre outros males. O quarto fator é a expansão das narrativas de pseudociência que estimulam teorias de conspiração e soluções não científicas na esteira da profusão de fake news.
“A hiperexposição nas redes sociais incentiva a vivência em uma realidade paralela, inalcançável para a maioria das pessoas”
O quinto fator resulta da combinação dos já mencionados, favorecendo a radicalização das narrativas políticas e sociais. A polarização política no Brasil não é nova. A sua radicalização, porém, foi exacerbada nos últimos tempos, por meio da promoção de discursos de ódio e de soluções anti-institucionais e antidemocráticas através das redes sociais.
O drama e o mal-estar provocados pelos fatores mencionados geram uma infelicidade cujo caldo é engrossado pela vocação “lacradora” dos formadores de opinião. Isso não é um fenômeno político. Mas, sobretudo, cultural e marco dos tempos atuais.
Quem não consegue separar o joio do trigo vive em meio à multidão de opinadores e lacradores de calibre variado, que se apresentam em uma espécie de carrossel de vaidades expostas, onde são, ao mesmo tempo, personagens, analistas e mensageiros da tragédia, alimentando e alimentando-se do drama e do mal-estar.
A epidemia de drama e mal-estar, ou a pandemia de infelicidade, não tem solução clara nem global. Tampouco existe vacina contra a infelicidade, o que abre as portas para soluções miraculosas que não se realizam, mas oferecem o conforto da esperança.
A política não está imune à epidemia. Tanto por promovê-la — ao dar campo às narrativas de ruptura — quanto por tolerar ou dar vazão às narrativas que propiciam a destruição ou o enfraquecimento das instituições. Como instrumento para combater a infelicidade, a política ainda oferece soluções paliativas e se preocupa mais com o processo do que com a qualidade das políticas públicas.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853