O mundo hoje vive o paradoxo do populismo, no qual o viés de direita está mais popular do que as velhas narrativas populistas de esquerda. Sem julgar o mérito da questão, essa é uma realidade. Os resultados eleitorais recentes na Argentina e em Portugal e a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos comprovam tal fato.
O que faz o populismo de direita ser mais popular do que o seu irmão gêmeo, o de esquerda? O fenômeno, seja de direita, seja de esquerda, pode variar consideravelmente em contextos e períodos históricos diversos.
O melhor momento da versão de direita em comparação com a de esquerda pode ser atribuído a várias razões, que muitas vezes se sobrepõem e se interagem.
O movimento de direita com frequência capitaliza questões de identidade nacional, cultural ou étnica. E, em períodos de mudança demográfica ou crise econômica, esses assuntos podem se tornar particularmente salientes.
Temas relacionados à segurança, imigração e crime muitas vezes são priorizados pelo populismo de direita. A promessa de medidas rigorosas contra a criminalidade e de controle estrito sobre a imigração pode ser atraente para segmentos da população que se sentem ameaçados ou inseguros.
A eficácia com que os movimentos de direita usam as mídias sociais e outras formas de comunicação pode ajudar a amplificar a sua mensagem. A habilidade para contornar os meios de comunicação tradicionais e se conectar diretamente com o eleitorado pode ser outro fator-chave.
“Argentina, Portugal e a ascensão de Trump comprovam que o viés de direita está mais popular”
O populismo de direita costuma se beneficiar do descontentamento com as elites políticas e financeiras, promovendo uma narrativa de defesa “do povo comum” contra “essas elites”. Isso pode ser especialmente atraente em tempos de crise econômica ou de corrupção política perceptível.
Já a versão de esquerda propõe mais Estado, mais intervenção, uma visão internacionalista das políticas e uma certa abdicação da liberdade individual em favor do coletivo. Tampouco constrói uma narrativa de segurança pública, apesar de os regimes populistas de esquerda serem policialescos.
No Brasil, a vitória de Lula se deveu mais aos equívocos e à rejeição a Bolsonaro do que à aderência a suas teses. Na sequência, o governo enveredou pela narrativa que busca popularidade, mas acaba lançando mão do populismo démodé.
Para o observador atento, de direita ou de esquerda, o populismo na política deve ser visto como uma fantasia elaborada para enganar os incautos. E que prospera com base em meias-verdades, mentiras, diagnósticos simplistas e narrativas distorcidas. Essa observação não é meramente cínica. É um reconhecimento de que a construção da civilização, em várias instâncias, sempre esteve atrelada à capacidade humana de criar e acreditar em histórias que simplificam, omitem ou embelezam a complexidade da realidade.
A humanidade ainda não parece preparada para se livrar das soluções populistas que se apresentam. Principalmente se nossas expectativas acerca de direitos continuarem maiores do que as noções a respeito de nossas obrigações como cidadãos.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884