Desde tempos imemoriais, o mundo tem sido assolado por medos derivados de invasões, epidemias, escassez de recursos e conflitos diversos, tanto abrangentes quanto localizados. No século XX, o avanço tecnológico exacerbou esses temores ao aprimorar a potência de armas de destruição em massa, introduzindo um novo nível de ameaça global.
O término da Guerra Fria e a integração da China ao capitalismo global, juntamente com os princípios do Consenso de Washington, sugeriam um desfecho otimista para o século, uma era de paz e prosperidade. Contrariando tais expectativas, o mundo se viu novamente imerso em um estado de inquietação devido a embates, atentados terroristas emblemáticos, como os de 11 de setembro de 2001, guerras baseadas em diferenças religiosas e étnicas, além de outras formas de violência.
A ascensão da internet e das inovações tecnológicas subsequentes não somente ampliaram os horizontes da comunicação e da informação, como também se tornaram instrumentos poderosos na perpetuação da geopolítica do medo. A era digital trouxe consigo novas ameaças, como os ataques cibernéticos, a propagação de notícias falsas e a criação de deepfakes, colocando em xeque a segurança e a veracidade da informação.
Adicionalmente, o desenvolvimento de mísseis hipersônicos e de tecnologias capazes de neutralizar satélites evidencia uma corrida armamentista em novas dimensões. Desde a Segunda Guerra Mundial não gastamos tanto em armas quanto agora. O pior é que a geopolítica do medo deixou de ser alimentada apenas pela possibilidade de um ataque nuclear.
“Faltam lideranças no mundo de hoje. Navegamos com timoneiros que não sabem aonde devem chegar”
Esse cenário é agravado por uma polarização ideológica crescente, caracterizada por discursos extremistas tanto de direita quanto de esquerda e por uma tendência global ao autoritarismo que transcende as barreiras ideológicas. Essa dualidade alimenta o conflito e o medo e, paralelamente, desafia os fundamentos da democracia e da coesão social.
Em suma, a geopolítica do medo se revela por meio de uma ampla gama de ameaças, que engloba desafios tradicionais e contemporâneos, refletindo a complexidade dos problemas em um mundo cada vez mais interligado. Lidar com esses desafios requer lideranças não disponíveis no mundo nesta etapa. Navegamos com timoneiros que não sabem aonde devem chegar.
Isto posto, devemos fazer uma reflexão sobre o papel do Brasil na geopolítica atual. As declarações de Lula sobre a crise na Faixa de Gaza mostram um país lidando precariamente com os desafios do momento. Optando pela “lacração”, em vez da serenidade, do apelo ao entendimento.
A radicalização de posições não cabe a um país que não sabe ainda o seu papel no mundo e que nem sequer resolveu seus principais problemas internos. Temos múltiplas “Faixas de Gaza” no Brasil sem o controle do Estado. Não sabemos lidar com os nossos problemas crônicos de segurança pública. Milhões trafegam por entre o racismo, a desigualdade e a falta de oportunidades. A melhor mensagem que o Brasil pode dar ao mundo é cuidando melhor do seu povo.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881