O Brasil é um país com baixa credibilidade econômica, apesar de reservas abundantes e da solidez do sistema financeiro. Um dos pontos centrais de nossa baixa credibilidade está na qualidade das regras tributárias, que é um tema recorrente na vida dos brasileiros desde que a carga subiu de cerca de 25% do PIB nos anos 90 para quase 35% hoje.
O Brasil tem a mais absurda carga de impostos entre as maiores economias. Além de punir o pobre, o assalariado e o empreendedor, oferece serviços de qualidade baixa. É uma espécie de “condomínio Jambalaya”: caro, com serviços de terceira categoria e uma síndica doida.
Com o envio pelo Executivo do projeto de lei da segunda fase da reforma tributária, temos a oportunidade de debater o tema. Mas não será uma trajetória fácil. Faltam convicção, consenso, energia e vontade para se engajar em um debate sério e profundo.
A proposta mistura bondades e maldades, e não passará incólume no Legislativo. De um lado, o projeto aumenta o limite de isenção do tributo para pessoas físicas e reduz gradativamente o imposto de empresas. Pelo outro, taxa lucros e dividendos em 20% para valores acima de 20 000 reais.
Como esperado, houve reação. Alguns, como o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, dizem que cobrar impostos sobre dividendos é um retrocesso que não deveria ocorrer. Outros concordam com a ideia, pois estaria em linha com a tendência mundial.
“O Brasil tem a mais absurda carga de impostos entre as maiores economias e serviços de terceira categoria”
Fica perdido na névoa do debate o fato de que o aumento da isenção não é um favor do governo — é um dever e não deveria ser objeto de barganha. A tabela do imposto de renda acumula uma imensa defasagem desde 2015. A sua correção deveria ocorrer sem custo adicional para o contribuinte.
Mas outros aspectos ficam perdidos na discussão. Falta um rumo claro para a fase 1 da proposta, que trata da criação da contribuição sobre bens e serviços (CBS) a partir da unificação do PIS e do Cofins. O projeto enfrenta séria resistência do setor de serviços, que tem o sistema tributário menos arcaico e é responsável por, segundo as Contas Nacionais, cerca de 63% do PIB e 68% do emprego do país. É justamente a área mais importante para a economia e o emprego que vai ser penalizada.
O segundo aspecto é o governo desburocratizar e simplificar o caótico sistema tributário. Em 2014, havia 41 000 páginas de regras, resultado da disenteria infernal destinada a financiar o carrossel do gasto público e enlouquecer o contribuinte.
O terceiro e mais importante aspecto é cortar custos da máquina pública. Louvam-se, por exemplo, o corte de gastos com pessoal nas estatais, a aprovação da reforma previdenciária e a redução da dívida pública antes da pandemia. Mas nenhum avanço resultou em melhora nos serviços públicos e na redução da carga tributária e simplificação de suas regras.
Entende-se a necessidade de compensar a redução de impostos e o impacto da correção da tabela, mas falta o dever de casa nas contas públicas, no corte de gastos e no combate aos supersalários e às mordomias. O Congresso, que dará a palavra final sobre o projeto, deve estar atento aos interesses da cidadania: uma carga tributária justa e serviços públicos adequados.
Publicado em VEJA de 7 de julho de 2021, edição nº 2745