Em um contexto mais amplo da América Latina, a dinâmica política brasileira ecoa uma longa disputa entre federalistas e centralistas. Os federalistas desejam que o dinheiro seja controlado pelos estados e municípios, enquanto os centralistas pregam o controle financeiro do governo central.
No entanto, o Brasil inovou ao criar um sistema em que o centro do poder está no controle do Orçamento. Uma espécie de caixa eletrônico da República onde somente os poderosos têm as senhas. Decisões são nubladas pela opacidade. Programas e projetos, em parte expressiva, são apenas rótulos para compor uma narrativa de poder.
A expressão “República Orçamentarista” introduz um olhar irônico sobre a complexa realidade política e econômica do Brasil, destacando um ambiente em que a gestão do Orçamento público assume um papel central nas disputas institucionais. Essa expressão foi cunhada por uma figura influente nos altos escalões da República que se mostra um bem-humorado observador da cena política nacional.
Na República Orçamentarista, o cenário político é dominado pela luta por recursos. O governo busca incessantemente formas de aumentar a arrecadação para combater o déficit, enquanto o Congresso empenha-se em assegurar mais verbas para suas emendas e projetos. O Judiciário, independente, também se fecha para manter suas franquias intocáveis.
A batalha é contínua, assemelhando-se a uma briga de rua pela apropriação de fatias do Orçamento, em detrimento de um planejamento estratégico abrangente e visionário para o país. O resultado é que a prioridade é o interesse específico, refletido na expressão “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
“Há uma batalha por fatias do Orçamento em detrimento de um planejamento estratégico”
Para sustentar o status quo, há uma guerra de narrativas, na qual setores públicos e privados frequentemente manipulam informações. Alegações sobre isenções fiscais bilionárias frequentemente ocultam a realidade da carga tributária pesada e injusta. Parte da máquina pública vive em mundo paralelo de ganhos regulares e cobranças erráticas. Quem pode tenta não depender do Estado.
Isso leva à constatação de que no “orçamentarismo” não se observa uma discussão genuína sobre a diminuição das despesas governamentais, tampouco um foco nas melhorias de eficiência e na qualidade dos serviços públicos.
A transição para a República Orçamentarista marcou a substituição de um modelo em que o Executivo detinha domínio absoluto, em que o hiperpresidencialismo subjugava os demais poderes e a federação aos interesses do governo central.
Hoje, observamos uma descentralização maior do poder, o que, em princípio, representa um avanço. No entanto, a lógica do caixa eletrônico sem limites não funcionará se a economia não crescer de forma sustentável, com clareza de propósitos, com uma visão pragmática e desprovida de preconceitos ideológicos.
Não podemos abrir mão da construção de um futuro estruturado por causa do imediatismo e da lógica do “meu pirão primeiro”. Porém, a curto prazo, os avanços no controle dos gastos públicos dependerão de crises que ainda não estão no horizonte. Continuaremos, alegremente, a correr da cozinha para a sala sem pensar seriamente no futuro.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878