Desde a proclamação da República, o Brasil tem vivido uma sequência de desequilíbrios institucionais que revelam a disfuncionalidade crônica do sistema político. Embora frequentemente se trate a crise entre as instituições como algo novo, ela é, na verdade, um fenômeno recorrente em nossa história. Esse padrão manifesta-se em eventos que vão desde tentativas de golpes militares e revoluções frustradas até episódios mais dramáticos, como o suicídio de um presidente e a deposição de outros dois.
Além disso, os dois impeachments que marcaram a história política recente do país são apenas mais uma peça em um quebra-cabeça institucional caracterizado por instabilidade e incerteza. O Brasil também passou por longos períodos sob o comando militar, com oito presidentes oriundos das Forças Armadas, o que, por si só, já evidencia a fragilidade do sistema democrático. O tempo médio de um presidente brasileiro no poder é de pouco mais de três anos, refletindo a frequente interrupção dos mandatos. Como bem observou Michel Temer, vivemos períodos em que havia presidentes, mas não um verdadeiro presidencialismo, pois as eleições foram suprimidas ou manipuladas, comprometendo o processo democrático e a representatividade popular.
“Sem fortalecer as instituições, o caminho se torna trágico para o desenvolvimento político do país”
Outro aspecto crítico desse cenário é o funcionamento do sistema de freios e contrapesos, que deveria garantir a autonomia dos poderes para que um controle o outro e evite abusos. Entretanto, durante os períodos de exceção, como a ditadura de Getúlio Vargas e o regime militar entre 1964 e 1985, esse sistema foi desmantelado, permitindo que o Executivo acumulasse poderes excessivos e anulando a capacidade dos outros poderes de atuar como contrapesos eficazes. Esses desequilíbrios institucionais fazem parte da nossa história, moldando um sistema político que ainda enfrenta desafios significativos. Os episódios recentes envolvendo o Orçamento são um exemplo claro dessa dinâmica, assim como o recurso frequente ao Judiciário para decidir questões de natureza política. Soma-se a isso a relutância em aceitar o protagonismo do Legislativo, como casa do povo e do federalismo, na definição das leis que governam o país. Contudo, o desprestígio das lideranças tem levado, junto ao povo, à desvalorização das instituições. E sem o fortalecimento dessas instituições, o caminho se torna trágico para o desenvolvimento político do país.
Infelizmente, a guerra fria entre as instituições irá prosseguir. Diante desse cenário, a ausência de diálogo entre os poderes é alarmante. Sem uma comunicação efetiva e a contenção das disputas, é impossível alcançar a tranquilidade institucional necessária para o bom funcionamento da democracia. A instabilidade que observamos hoje é reflexo tanto das questões estruturais e históricas que têm marcado a trajetória política do Brasil quanto das disputas conjunturais que se intensificam. Se o país não encontrar um caminho para restabelecer o equilíbrio e a cooperação entre os poderes, corre-se o risco de que essas tensões evoluam para crises ainda mais profundas, comprometendo a própria viabilidade do sistema democrático que, apesar de suas falhas, tem sido uma conquista arduamente alcançada.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909