Forte, poderoso, irado, no controle, com maçãs do rosto tão salientes que parecem ter sido feitas por harmonização facial. E ainda por cima faturando com uma imagem que, de forma geral, deveria inspirar um sentimento de vergonha ou humilhação.
Os americanos falaram durante o fim de semana inteirinho sobre a foto que Trump tirou quando se apresentou à penitenciária da Geórgia, estado onde corre o quarto processo em que virou réu nos últimos cinco meses.
“Se existisse justiça nesse mundo”, resmungou Maureen Dowd, a magnífica colunista do New York Times que só perde a classe quando fala de Trump, reclamando que a “mug shot”, como os americanos chamam a foto policial, “deveria ter revelado um homem tão cínico e depravado que está disposto a estilhaçar a alma de nossa nação — a nossa democracia — e destruir a crença nas instituições. Tudo isso para não ser chamado de perdedor”.
Realmente, Trump parece tudo, menos o temido epíteto, “loser”. Além de anotar peso menor e altura maior na ficha policial, ele provocou a oposição pondo à venda, imediatamente, canecas, camisetas e coolers de cerveja com a foto que parece ter sido minuciosamente ensaiada. Talvez até com alguns palpites de Melania, ex-modelo com experiência na pose com o lânguido olhar de baixo para cima, que amplia os olhos e as maçãs. Se ela deu conselhos, apesar de toda a boataria de que estão para se separar, funcionou.
Trump não parece descabelado como Frank Sinatra, idiotamente sorridente como Bill Gates ou andrajoso como Josef Stálin, alguns dos nomes mais famosos da longa lista de fichados na polícia.
Tendo transformado os sucessivos processos na justiça em oportunidades para ocupar totalmente os espaços em todas as mídias, atingindo o ápice com a mug shot que lançou dez mil memes nos mares digitais, Trump conseguiu outro feito: contrapôs-se a Joe Biden em mais uma semana fraca e cheia de pisadas na bola. Numa das piores de todas, comparou o devastador incêndio de Lahaina, no Havaí, com 115 mortes confirmadas e uma longa lista em aberto, a um incidente com fogo na cozinha de sua casa em 2004. “Quase perdi minha esposa, meu Corvette 67 e meu gato”, enumerou, para desespero dos assessores obrigados a sair correndo para consertar o inconsertável.
O mais extraordinário de todos esses episódios, que às vezes parecem realmente vir de um universo paralelo onde políticos bizarros tentam destruir a marteladas a imagem da superpotência ainda hegemônica, é que os dois candidatos para a eleição presidencial do ano que vem conservam sem grandes alterações as respectivas posições nas pesquisas.
Uma amostra tirada de diferentes institutos. Biden 41%, Trump 42%. Biden 38%, Trump 39%. Biden 47%, Trump 41%. Biden 38%, Trump 43% Enfim, dá para ter uma ideia de que os números são muito próximos e não permitem arriscar nenhuma aposta para novembro de 2024.
“Se existisse justiça”, como suspirou Maureen Dowd, Trump deveria estar dando traço, com tantas e tremendas acusações. E Biden estaria sendo forçado por “eles”, as forças do sistema, a dar lugar a alguém mais jovem e menos propenso — ou propensa — a falar asneiras.
Na vida real, onde a justiça perfeita não existe, Trump e Biden estão profundamente enquistados em suas posições. A cada novo espetáculo judicial os defensores de Trump se convencem mais de que ele está sendo perseguido. O ex-presidente chegou a dizer que sua foto policial entraria para a história como um ato de “Desafio à tirania”. E os partidários de Biden não conseguem enxergar um candidato com mais chances de vencer o grande inimigo.
Em três dia, Trump vendeu 7,1 milhões de dólares em produtos com a foto policial. Não pode ser motivo de alegria para quem respeita a grande história americana e o papel dos Estados Unidos no mundo. Ao contrário, a bipolaridade Trump/Biden soa pior ainda quando a alternativa é um bloco composto por ditadores, corruptos e assassinos.