Trump e Bolsonaro: tão iguais, tão diferentes, tão inesperados
O espírito do tempo quer mudança e o que isso produz caberá aos historiadores analisar no futuro; enquanto isso, ficamos no borbulhante presente
É irresistível, para os estrangeiros, a aliteração “Trump dos trópicos”. É uma explicação que já vem pronta e em quase 100% das reportagens estrangeiras significa que o Brasil está se jogando num buraco sem fundo.
A mesma animosidade acompanhou a eleição de Donald Trump em 2016. Uma das maiores diferenças é que a vitória de Trump, com base nos votos do colégio eleitoral, uma característica única do sistema americano, pegou todo mundo de surpresa.
Mas vale destacar algumas semelhanças:
1. Abaixo o sistema
Nos Estados Unidos não aconteceu nada nem parecido com o tsunami de corrupção que obliterou o maior partido político brasileiro. Mas o governo Obama forçou a mão em várias frentes da “guerra cultural”, hoje um aspecto indistinguível da política no sentido estrito.
Hillary Clinton fez uma campanha partindo do princípio que tinha a vitória garantida e chegou a menosprezar uma fatia do eleitorado, os “deploráveis”. Pediu desculpas, mas já era tarde.
Os eleitores que se sentiam excluídos da hegemonia democrata e dos “nomes de sempre” do Partido Republicano, aderiram a Trump quase que com um espírito revolucionário.
É este espírito que pegou os analistas de surpresa, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. De modo geral, é a esquerda que se encanta com projetos transformativos e promete um futuro mais brilhante. Barack Obama, por exemplo, dizia que queria “mudar fundamentalmente os Estados Unidos”.
A direita, também de forma geral, propõe colocar a casa em ordem. A pegada de Trump foi mandar um recado conservador — reconstruir a grandeza do passado — com uma embalagem antissistema.
A rejeição a “tudo isso que está aí”, que tanto beneficiou o PT no passado, se transformou em bandeira bolsonarista.
2. Do zero ao tudo
Os americanos que nos desculpem, mas em matéria de situações bizarras e surpresas políticas nada supera o Brasil.
Só para lembrar, o “candidato” a presidente mais cotado estava — e lá continua — na cadeia. Há exatamente um ano, em 30 de outubro de 2017, Lula tinha 35%, das preferências; Bolsonaro, 13%, e Marina Silva, 8%.
Mas os Estados Unidos têm seus truques de roteiro. Em 16 de junho de 2015, quando desceu a escada rolante da Trump Tower para anunciar que seria candidato a presidente, Trump foi considerado uma piada, uma espécie de Tiririca à americana. Tinha 1% das preferências.
Foi nesse discurso que falou uma de suas maiores barbaridades, dizendo que o México não mandava para os Estados Unidos o que tinha de melhor, e sim, o pior: “Traficantes, criminosos, estupradores”.
Não faltam maus, e até abomináveis, elementos nas massas migratórias vindas da América Latina, mas a generalização injusta e brutal acompanha Trump até hoje.
A lista de barbaridades verbais passadas de Bolsonaro também não vai sumir tão cedo.
3. Os bons pastores
O apoio de evangélicos neopentecostais a Trump pesou quase tanto quanto o recebido por Bolsonaro no Brasil.
Trump foi proprietário de cassinos, dono de hotel em Las Vegas — sinônimo de pecado nos Estados Unidos —, playboy colecionador de mulheres bonitas e autor da infame frase sobre as facilidades sexuais permitidas a homens famosos. Tem explosivas gatas no armário.
Vem de família presbiteriana, mas raramente foi visto perto de qualquer serviço religioso.
Nada disso abalou o voto evangélico, para desespero da imprensa americana, antitrumpista na base de 95%.
A resposta dos evangélicos americanos costuma ser a mesma dos brasileiros: não precisam de um presidente perfeito em termos morais (vaga preenchida pelo vice Mike Pence), mas que seja favorável a temas importantes para eles, como família, pátria e religião.
Pence foi criado numa família católica e se tornou evangélico por causa da mulher. É ele quem leva pastores para orar por Trump, fazendo a imposição de mãos, em cenas raramente vistas na Casa Branca.
É impressionante a semelhança com a oração feita por Bolsonaro num culto batista, com o rosto molhado de lágrimas, ajoelhado ao lado da mulher, Michelle, seguidora da religião.
4. Bonitas e distantes
Falando em esposas: Melania Trump e Michelle Bolsonaro, as respectivas terceiras esposas, querem distância da política. A ex-modelo eslovena de beleza deslumbrante acompanhou fielmente Trump durante toda a campanha presidencial.
Agora, desapareceu completamente dos comícios de meio de mandato, que podem significar nada menos que abertura de impeachment contra Trump se os democratas recuperaram a maioria na Câmara.
Poucos brasileiros sequer tinham ouvido falar de Michelle Bolsonaro antes do atentado a faca que ele sofreu em setembro. Ela continua praticamente submersa.
Quer apareça, quer desapareça, tudo o que Melania Trump faz, incluindo anódinas e bem intencionadas campanhas típicas de primeira-dama, é cruelmente criticado, inclusive seu guarda-roupa de mulher de bilionário.
Michelle Bolsonaro, segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo, gosta de roupas da Zara e se especializou em libras, a linguagem dos deficientes auditivos. Não vai escapar do crivo.
5. Falange de filhos
Se as mulheres ficam na retranca, Trump e Bolsonaro, com staff político fraco, são cercados continuamente no pelotão de frente pelas únicas pessoas em que podem confiar: os filhos.
Trump levou a filha predileta, Ivanka, como assessora e confiou ao marido dela, Jared Kushner, algumas das missões mais cruciais. Ele já mostrou serviço com o novo acordo comercial com o México e o Canadá, substituto do Nafta.
O mais ambicioso de seus projetos, um acordo de paz entre Israel e árabes, está atualmente prejudicado pela desgraça que a Arábia Saudita trouxe a si mesma como o hediondo assassinato de um jornalista de oposição.
Donald Jr. e Eric deveriam tomar conta dos negócios da família, mas o filho mais velho tomou gosto pela política e tem ambições nada secretas. Depois de se separar da mulher, com quem tem cinco filhos, ele está namorando uma ex-estrela da Fox News, Kimberly Guilfoyle.
Júnior e Kimberly estão totalmente dedicados a umas das tarefas mais vitais de qualquer campanha americana: levantar doações. Nos Estados Unidos, são praticamente ilimitadas.
Colocar filhos em funções políticas cria um problema quase insolúvel: tirá-los elas quando fazem besteira.