Um homem excepcionalmente inteligente, focado na causa e dedicado a ela. Ninguém duvida disso sobre Yahia Sinwar. E também um monstro, uma palavra que só deve ser empregada em circunstâncias muito específicas.
Com ele vivo, não há a possibilidade de um acordo pela libertação dos reféns e, mais extensamente, de uma solução para a tragédia de Gaza. Diante da possibilidade de que tenha sido morto, abrem-se outros caminhos.
Dos túneis onde se escondeu durante mais de um ano, colocado na direção máxima do Hamas depois do atentado que matou Ismail Haniyeh, Sinwar vinha vendo um quadro que parecia a seu favor. Israel se afundaria no Líbano e seria atacado pelo Irã, além de inimigos menores como os hutis do Iêmen e múltiplas milícias xiitas do Iraque. O “polvo” de múltiplos tentáculos acabaria estrangulando o país múltiplas vezes mais poderoso em matéria de capacidade bélica, humana e de inteligência, agindo com a concordância nem sempre entusiasmada dos Estados Unidos.
O perfil de Sinwar sempre foi de um homem perverso como um psicopata do mais alto teor, mas não um desequilibrado mental — pelo menos não no sentido que geralmente atribuímos a isso. Na sua visão, individualmente, o Hamas jamais venceria Israel. A única alternativa seria explorar as vulnerabilidades do país que conheceu a partir da cela de prisão onde passou 22 anos, cumprindo pena perpétua por participação na morte de dois soldados israelenses e quatro palestinos acusados de colaboração.
“FACAS DE BRINQUEDO”
“Ele falou que um foi decapitado”, rememorou recentemente Michael Koubi, que o interrogou ao longo de 180 horas como membro do Shin Bet, o serviço de inteligência interna de Israel. “Falou sobre outra vítima que levou para cavar uma cova e daí o enterrou vivo.”
Orgulhava-se do apelido de “açougueiro de Khan Younis” e dizia ter matado doze pessoas.
Também gostava de doutrinar crianças desde pequenas. Visitava jardins da infância e separava as crianças em dois grupos: “palestinos” e “israelenses”. Os primeiros ganhavam facas de brinquedo para “matar” os coleguinhas do grupo oposto.
“Sinwar nunca, nunca, nunca aceitará a paz”, disse Koubi ao New York Post. “Enquanto viver, vai fazer outros massacres. Tem que ser morto.”
Durante mais de um ano, Israel tentou fazer exatamente isso, com um fator de extrema complicação: alvejá-lo poderia pôr em risco a vida dos reféns dos quais se cercava — calcula-se que cerca de cinquenta ainda estejam vivos.
Ao tomar a decisão extremamente difícil e, para as famílias dos cativos, de absurda crueldade, de não negociar a qualquer preço a libertação dos reféns, a cúpula política e militar de Israel partiu de dois pressupostos.
Primeiro, com Sinwar jamais haveria a libertação de todos os reféns, por mais concessões que fossem feitas.
Segundo, ele próprio sempre foi a maior prova de que o desespero para salvar vidas de sequestrados — e também ganhar vantagens políticas com isso — havia provocado o grande erro da troca de 1.027 prisioneiros palestinos pelo soldado israelense sequestrado Gilad Shalit. Entre os libertados, o próprio Sinwar.
ESPIRAL DE DESTRUIÇÃO
A morte do líder do Hamas mudaria essencialmente o rumo cruel dos acontecimentos? Poderia abrir caminho a acordos que interrompam a guerra, encerrem o tormento dos cativos, pacifiquem Gaza e talvez até criem uma situação em que Israel não se sinta na obrigação de retaliar o Irã, um risco enorme para o país e para o mundo?
Ainda não sabemos.
Mas, com Ibrahim Hassan Sinwar solto, nada disso teria a menor possibilidade de acontecer.
Atingir o líder do mundo subterrâneo do Hamas tem importância maior ainda do que a morte do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah.
O mal não pode vencer, mas Israel tem ainda pela frente a missão mais difícil de todas, que é restaurar o bem e poupar vidas inocentes, arrastadas para a espiral de destruição na qual homens como Sinwar e Nasrallah apostaram tudo.