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Rússia matou seus próprios soldados com explosão da represa ucraniana?

Não seria a primeira vez em que objetivo estratégico justifica “sacrifícios” táticos — em outras palavras, afogar forças do lado russo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 16 Maio 2024, 00h01 - Publicado em 8 jun 2023, 06h21
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  • “Militares que estavam se deslocando ao longo da represa, naturalmente, morreram. Uma avalanche de quase trinta metros de altura de água varreu a planície do Dnipro, levando tudo no seu caminho. Toda a parte baixa de Zaporijia, com grandes depósitos de produtos variados, equipamento militar, dezenas de milhares de toneladas de produtos alimentícios, foi inundado em questão de minutos”.

    “Dezenas de embarcações com seus tripulantes pereceram na terrível enchente. Unidades militares (soviéticas) ocupavam posições ao longo de dezenas quilômetros do Dnipro. De repente, apareceu um rio. Um grande número de oficiais e soldados do Exército Vermelho, com peças de artilharia e equipamento bélico, morreu. Além dos militares, dezenas de milhares de cabeças de gado e de pessoas que trabalhavam no campo morreram na inundação”.

    A impressionante descrição foi feita por um ucraniano sobre os acontecimentos de 18 de agosto de 1941, quando Stálin deu a ordem às tropas da NKVD, a polícia política que tinha suas próprias unidades militares, para explodir a usina hidrelétrica do rio Dnipro, a maior da Europa, inaugurada apenas dois anos antes, com o objetivo de parar o avanço das tropas invasoras da Alemanha nazista.

    Historiadores calculam que entre 20 mil e 100 mil civis e militares morreram na inundação, um nada pelos padrões stalinistas.

    “Explodimos a represa do Dnipro para não permitir que esse primogênito do plano quinquenal caísse nas mãos dos bandidos hitleristas”, disse um porta-voz soviético da época — sem mencionar que a hidrelétrica havia sido construída com ajuda de americanos, recompensados com condecorações, joias, obras de arte e, principalmente, grandes estoques de cereais confiscados na Ucrânia aos camponeses que resistiam às ordens de coletivização do campo — os mortos nesse “terror pela fome” são calculados entre 3,5 e 7 milhões.

    A descrição impressiona pela semelhança com a explosão da usina hidrelétrica de Kakhovna, na madrugada de terça-feira. Ela fica a 150 quilômetros de Zaporijia, localidade agora mais conhecida pela usina nuclear, sob controle russo, cujo funcionamento vive sendo ameaçado.

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    Um oficial ucraniano, capitão Andrei Pidlisni, disse à CNN que “ninguém do lado russo conseguiu escapar”.

    “Todos os regimentos que os russos tinham daquele lado foram levados pela enchente”, afirmou.

    A explosão da represa deixou dezenas de milhares de pessoas com suas casas e plantações inundadas e um número incalculável de animais domésticos, além de cerca de 300 animais selvagens de um zoológico de Nova Karkhovna, cidade do lado sob ocupação russa. Só escaparam os cisnes, que foram vistos nadando em torno da prefeitura inundada, no lado ucraniano.

    Embora chocante, e incluída na lista de crimes de guerra das Convenções de Genebra, a destruição da represa não foi exatamente uma surpresa para os militares ucranianos. Eles próprios usaram a tática, em escala muito menor, para segurar os russos, logo no início da invasão, numa região perto de Kiev.

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    A explosão e a inundação complicam bastante a contraofensiva da Ucrânia, cujas forças precisam atravessar o rio Dnipro para tentar interromper o corredor territorial que liga as áreas sob ocupação russa à Crimeia.

    As águas vão baixar nos próximos, deixando prejuízos materiais e ambientais de extensão que está sendo comparada ao derretimento do reator nuclear da usina de Chernobil, no fim da era soviética — e também terrenos enlameados que dificultam ou impossibilitam o avanço de blindados.

    O alto comando ucraniano não tem muito o que inventar, apesar da flexibilidade e da criatividade demonstradas ao longo dos últimos dezesseis meses. Suas forças têm que ir para a outra margem do rio e empreender ataques contra um inimigo que está na defensiva e se preparou longamente para o assalto, com trincheiras tão longas que podem ser vistas em imagens de satélite, incontáveis dispositivos antitanque e concentração das tropas, em princípio, mais preparadas.

    Foi esse um dos motivos para deixar o Grupo Wagner encarregado da tomada de Bakhmut — um assunto mal resolvido, inclusive com acusações do seu desbocado líder, Ievgueni Prigozhin, de que suas forças estão sendo bombardeadas pelos próprios compatriotas — e não por um erro do tipo fogo amigo.

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    Nunca antes numa guerra convencional houve uma presença militar e política tão grande de uma força paralela como o Grupo Wagner.

    Esta é apenas uma das novidades dessa guerra em que a segunda maior potência militar do mundo não apenas não consegue realizar seus planos de ocupação, domínio e anexação de um país mais fraco, como demonstra graves vulnerabilidades em termos de doutrina, planejamento, equipamento, tática, desempenho e logística.

    Teriam os russos matado seus próprios homens com a explosão da hidrelétrica para alcançar um trunfo como atrasar a contra-ofensiva inimiga?

    Fora as declarações do capitão ucraniano, não há, por enquanto, outros indícios. Garantir isso é tão difícil quanto encontrar quem sustente que os russos nunca, jamais, de forma alguma fariam isso. Podem fazer, fizeram no passado e talvez tenham feito de novo.

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    Em vários sentidos, mandar ondas e mais ondas de recrutas mal treinados e mal equipados para tomar de assalto posições inimigas, para depois usar sua reação como forma de localizar quais alvos devem ser atacados pela artilharia pesada, não é muito diferente de afogar seus próprios combatentes em troca de vantagens estratégicas.

    “A guerra é um inferno”, proclama uma das mais famosas frases sobre o assunto, dita pelo general Sherman, que lutou do lado vencedor, o da união, da Guerra Civil Americana.

    Uma guerra de conquista é mais infernal ainda e vamos ver seus próximos desdobramentos nas semanas à frente. A prazo mais longo, talvez esteja sendo configurada a realização do comentário de Leon Aron, historiador russo emigrado para os Estados Unidos:

    “Os deuses da história russa são extremamente implacáveis com derrotas militares”.

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    Aron acha que Putin pode continuar com a guerra até que os mais importantes líderes ocidentais — e a opinião pública de seus países — se cansem ou sejam substituídos e desistam progressivamente da Ucrânia. Ou pode forçar uma situação que leve o planeta à beira de um confronto nuclear e, com todo mundo em estado de extremo pânico, propor então um acordo de paz que o deixe com os territórios ocupados atualmente.

    Tem autocandidatos ao Nobel da Paz que já estão propondo isso antecipadamente. É a turma louca para assinar uma rendição em nome do país dos outros.

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