Por que não levar a sério as ameaças cada vez mais radicais feitas por Vladimir Putin? Por que achar que é só um show e não uma declaração de intenções?
Nos últimos dias, as chantagens subiram de tom. Antes relegadas a seus subordinados, agora estão sendo feitas por Putin pessoalmente. Devem piorar considerando-se que Joe Biden, segundo o site Politico, autorizou o uso de armas americanas contra território russo próximo de Kharkiv, a cidade ucraniana na mira dos russos. Preparem-se para a reação.
E não são só palavras evocando a guerra do fim do mundo. No começo de maio, Putin mandou fazer um ostensivo exercício com armas nucleares táticas, os artefatos usados num campo de batalha específico, não para os grandes ataques estratégicos, como os mísseis que cruzariam o mundo para explodir nos Estados Unidos. E que campo de batalha existe hoje para os russos que não seja na Ucrânia?
O Ministério da Defesa, agora sob nova direção – Putin tirou o ex-amigo Serguei Shoigu e colocou em seu lugar o economista Andrei Belousov -, disse que as manobras era uma resposta a “declarações provocativas”. Leia-se Emmanuel Macron e suas ainda mal explicadas manifestações públicas sobre o possível envio de tropas de países da Otan para atuar diretamente na Ucrânia.
É o tipo de atitude que só pode ser tomada quando realmente existe a possibilidade de que a hipótese aconteça, não por uma obscura “ambiguidade estratégica”, como alega o governo francês.
“PAÍSES PEQUENOS”
Falar que vai fazer uma coisa impraticável é tolice. E abre um flanco a ameaças como a feita por Putin. “Representantes de países da Otan, especialmente na Europa, especialmente em países pequenos, devem ser conscientes de com que estão jogando. Devem recordar que, em princípio, se trata de países pequenos, mas densamente povoados”, disse ele, sem nenhum disfarce.
“Este é o fator que deveriam levar em conta antes de falar em ataques contra o território russo”.
Praticamente todos os países do mundo são pequenos e densamente povoados em comparação com a imensidão russa e não foi nada disfarçada a ameaça sobre os resultados de um ataque nuclear. Países densamente povoados seriam varridos do mapa.
“Essa escalada constante pode ter graves consequências e se essas graves consequências acontecem na Europa, como reagirão os Estados Unidos? Por acaso querem um ataque nuclear?”.
PESO GRAVÍSSIMO
Pronto, as palavras proibidas foram enunciadas.
Putin, obviamente, é um ator racional, não um incendiário que quer provocar um conflito com centenas de milhões de mortos e o fim da civilização. Mas qual a racionalidade da invasão da Ucrânia? Por que romper com todo o mundo ocidental para tomar um naco de um país que não precisa por nenhum motivo, nem pelos errados?
O que ele diz deve ser levado a sério: se o chefe do país com o maior número de armas nucleares do planeta passa a usar enunciados que mesmo no auge da guerra fria eram cautelosamente evitados pelos líderes soviéticos, suas palavras não podem ser relegadas a uma manobra da guerra da propaganda. Têm um peso gravíssimo.
Com estas ameaças, Putin se coloca na posição de homem mais perigoso do mundo, antes ocupada pelo desatinado Kim Jong Un na Coreia do Norte – um tanto em baixa depois do fracasso com o teste de um foguete que levava um satélite militar e com a tática de mandar balões comuns, cheios de saquinhos com lixo e excrementos humanos, em direção da Coreia do Sul.
EXPLOSÃO DEMONSTRATIVA
É óbvio que Putin quer “fechar a conta” da invasão da Ucrânia da forma mais vantajosa possível e o tom cada vez mais agressivo faz parte dessa grande estratégia. Se ele está falando desse jeito antes de eventuais ataques em território russo com armas americanas, a situação vai ficar muito pior.
Uma ameaça adicional foi feita por Dimitri Suslov, integrante do Conselho de Política Externa e de Defesa, levantando a possibilidade de uma explosão nuclear “demonstrativa” para “confirmar a seriedade das intenções da Rússia e convencer nossos oponentes da disposição de Moscou a escalar” o conflito na Ucrânia.
O que vem depois é mais assustador ainda. Se a aliança dos países ocidentais avançados vacilar, Putin se sentirá liberado para outras aventuras, mesmo contra integrantes da Otan. Estariam os Estados Unidos e seus aliados europeus dispostos a testar a Rússia por causa da Estônia ou de um pedaço da Moldávia, países que tantos não conseguem sequer localizar no mapa?
A associação maligna entre Putin e Xi Jinping está solapando gravemente a ordem internacional tal como traçada pelos Estados Unidos desde o fim da II Guerra Mundial e os tolos que se imaginam tirar vantagem disso, liderando da boca para fora o Sul Global, estão agora lidando com um chantagista nuclear e um comunista empenhado em invadir uma ilha vulnerável e ganhar o domínio sobre toda a Ásia. Nada que os Estados Unidos já fizeram ou venham a fazer se compara com isso.