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Príncipe das joias sauditas quer ser um faraó moderno com megaobras

Duas cidades futuristas de estontear o mais ambicioso visionário são os projetos que o dono do poder - e do petróleo - quer deixar como marca

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 7 abr 2023, 14h19 - Publicado em 6 abr 2023, 07h41
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  • Mohammed Bin Salman pensa grande. Aliás, enorme. Aliás, como ninguém mais no mundo, nem os chineses, com 3,1 trilhão de dólares no cofre para abrir caminho à hegemonia que almejam ter como superpotência mundial.

    Joias como as que viraram questão política no Brasil são menos do que um grão de areia no deserto infinito da península arábica, com um mar de petróleo por baixo para fazer amigos, influenciar pessoas e bancar planos literalmente faraônicos.

    E, de passagem, alterar as regras do jogo geopolítico mundial?

    Não é impossível. Seus últimos movimentos — aproximação com o Irã, reatamento com a Síria e possível fim da guerra no Iêmen — indicam um plano bem pensado para “mudar de lado”, ou escantear os americanos.

    O príncipe que já age, há anos, como rei está na maior intimidade com a China. Com a Rússia também. Para o presidente Joe Biden, que incidiu em falta de pragmatismo ao prometer transformar a Arábia Saudita em “pária internacional” por causa do assassinato e esquartejamento do dissidente Jamal Khashoggi, só desaforos disfarçados com sorrisos falsos e salamaleques idem.

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    A decisão saudita de cortar a produção de petróleo, seguida por toda a Opep, foi um presentão para Vladimir Putin. Os preços vão subir e os aliados americanos que bufam para bancar a substituição do fornecimento russo vão sofrer mais ainda. O barril a 100 dólares é dado como certo. Um aumento de apenas um dólar no barril significa mais 2,7 bilhões nos cofres de Putin em um ano.

    O príncipe de 37 anos, universalmente chamado pelas iniciais, MBS, sabe que a bonança um dia vai acabar e pensa num legado pós-petróleo, obras gigantescas que transformariam a Arábia Saudita, um país inteiramente fechado até muito pouco tempo atrás, num imã de atração para turistas, estrangeiros e aventureiros em geral. 

    Um dos projetos é chamado de Mukaab, um cubo gigantesco de 400 metros de largura por 400 de altura, em Riad, a capital onde até recentemente mulheres eram atacadas pela polícia religiosa se deixassem entrever o mais mínimo pedaço de pele por baixo dos dois véus negros encobrindo totalmente o corpo e o rosto.

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    O projeto é simplesmente estonteante. O cubo decorado por arabescos — em que outro lugar poderiam ser mais adequados? — evoca a Kaaba, a pedra negra em torno da qual muçulmanos do mundo inteiro circulam durante a obrigatória peregrinação a Meca.

    Numa realidade virtual criada por Inteligência Artificial, moradores e visitantes terão paisagens constantemente cambiantes envolvendo 104 mil unidades residenciais, nove mil quartos de hotel e 980 mil metros quadrados de espaços comerciais. Tudo isso pronto até 2030 — e mesmo os mais incrédulos reconhecem que MBS tem bala na agulha para bancar a quantidade fenomenal de trabalhadores estrangeiros que construirão sua pirâmide negra, no sentido de obra faraônica.

    Também já está em construção uma obra muito maior, um megacidade litorânea com 170 quilômetros de extensão. A horizontalidade do projeto faz jus ao nome, The Line, a linha, sem automóveis, com  construções orgânicas e o que de melhor o dinheiro pode comprar e até o que as pessoas comuns mal podem imaginar, incluindo uma muralha espelhada de 500 metros de comprimento. Tudo com o que a Arábia Saudita não tem: muita água, vegetação luxuriante e até uma estação de esqui.

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    A grande questão é quem vai ocupar isso tudo. A Arábia Saudita tem 36 milhões de habitantes, dos quais treze milhões são estrangeiros que ocupam todas as posições consideradas inferiores demais para os ricos cidadãos locais. Criado com base num ramo ultrafundamentalista do Islã, o reino só admitia a entrada desses trabalhadores, com contrato assinado, e dos peregrinos a Meca e Medina, as duas cidades santas onde viveu o profeta Maomé.

    A abertura promovida por Bin Salman, contrabalançada por um controle político maior ainda, como se isso fosse possível, não mudou princípios longamente arraigados que encaram as mulheres como inferiores a serem restritas em público e privado e os estrangeiros não muçulmanos como infiéis suspeitos. Fazer festivais de música, permitir a convivência em público entre homens e mulheres e outros arroubos de liberdade não são iniciativas que mudarão facilmente a mentalidade dos sauditas — e o modo, muitas vezes preconceituoso, como são vistos do exterior.

    O príncipe certamente foi inspirado pelos “primos” de Dubai, um minúsculo emirado, igualmente privilegiado pela geologia, que conseguiu se transformar em destino turístico, com obras grandiosas e uma relativa condescendência com os hábitos ocidentais em espaços designados. Decidiu fazer mais e melhor. Umas dez mil vezes melhor.

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    Será bem sucedido? São planos sustentáveis ou produto da ambição que o poder total alimenta, com obras fadadas ao abandono de houver uma mudança na cúpula, digamos, produzida pelos inconformados com a abertura?  

    Provavelmente ninguém mais do que MBS tem em mente o assassinato do rei Faissal, baleado numa audiência palaciana em 1975 por um sobrinho, revoltado com novidades como a televisão e outras modernizações (o assassino foi condenado e decapitado em praça pública; um castigo que MBS não só manteve como incentivou, com uma média de 129 execuções por ano).

    As pirâmides do Egito têm um histórico de 4 500 anos para comprovar sua continuidade como uma das maravilhas do mundo. O príncipe saudita quer tudo para ontem.

    A megacidade no deserto vai custar 500 bilhões de dólares — e nós todos, submetidos às regras mundiais do preço do petróleo, vamos pagar.

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