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Por que Maduro não prende o líder que o desafia? Não pode

“Os nervosos são eles”, desafia Juan Guaidó, protegido pela força moral, o apoio internacional e o treme-treme nas bases de sustentação do “usurpador”

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 28 jan 2019, 14h59 - Publicado em 28 jan 2019, 13h55

Nicolás Maduro tem tudo. O apoio declarado dos comandos militares, todo o controlado aparato do poder, o palácio de Miraflores, os meios de comunicação “oficializados”, o judiciário de fancaria, os motoqueiros armados para defender o regime e os “roubolucionários” apavorados e, portanto, mais dispostos a tudo.

Tem os cubanos e, agora, segundo a Reuters, mercenários russos para blindar a segurança.

Como 80% da população passa fome, o PIB foi reduzido à metade, os serviços públicos colapsaram e os países civilizados combinaram que, agora, chega, esse capital todo desvaloriza-se tanto quanto o bolívar soberano, a nova moeda inutilmente criada num ambiente de inflação de mais de 1.000.000%.

Fora o gogó, a aura de paladino da justiça e o apoio internacional liderado pelos Estados Unidos, importantíssimo mas incapaz de forçar a virada imediata, Juan Guaidó não tem nada.

Dorme cada noite num lugar, usa a tática de só avisar na última hora onde vai aparecer em público e tem um esquema visível de segurança. Que obviamente não valeria nada diante da máquina bolivariana.

Maduro e acólitos entendem que seria um erro prendê-lo. Tanto que, num episódio mal explicadíssimo, chegou a ser detido à luz do dia, numa estrada, por um grupo do serviço de inteligência que o liberou minutos depois.

Em questão de dias, ele deu o passo mais ousado e, sob aclamação, lágrimas , aplausos e a presença constante da mulher, Fabiana, de 26 anos, “assumiu” como presidente interino, declarando Maduro um usurpador por causa da eleição grotescamente manipulada em que foi reeleito.

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A legitimidade de Guaidó, reivindicada na qualidade de presidente da Assembleia Nacional totalmente escanteada pelo regime, pode ser discutida.

Mas a força moral que ganhou, aos olhos da opinião pública venezuelana, e o reconhecimento internacional sem precedentes, deram-lhe uma espécie de escudo protetor.

O regime madurista tem todos os instrumentos para fazer com ele o que fez com seu mentor político, o valente e carismático Leopoldo López, preso e condenado pela justiça cooptada a 13 anos.

Sob pressão, o regime madurista, uma versão pior ainda que o chavismo, López foi colocado em regime de prisão domiciliar.

Ficou, assim, em condições de articular a ascensão bem planejada ascensão de Juan Guaidó como antagonista de Maduro.

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Não houve nada de espontâneo, apesar da genuína e entusiástica adesão de venezuelanos que não tinha mais ânimo de protestar.

ÓCULOS DA MITAGEM

Segundo o ex-prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, em declarações à agência AP, Guaidó chegou a viajar ao Brasil, à Colômbia e aos Estados Unidos em dezembro, atravessando por um ponto da fronteira terrestre para burlar a vigilância.

Ledezma foi “hóspede” do quartel de Ramo Verde pelo crime de ser de oposição. Transferido para o regime domiciliar, conseguir escapar, fugir para a Colômbia e chegar à Espanha, onde se asilou.

Suas informações em nada depõem contra Guaidó, mas podem ajudar na tática do regime de tentar desmoralizar o engenheiro de 35 anos, sobrevivente de um desastre equivalente a de Brumadinho, multiplicado por dezenas de vezes. Os gigantescos deslizamentos de morros no Estado de Vargas, em 1999, deixaram entre 10 mil e 30 mil mortos.

Atendendo ao conselho de seu ídolo e mentor, Fidel Castro, Hugo Chávez recusou a ajuda dos fuzileiros navais e engenheiros que estavam a bordo do navio de guerra americano USS Tortuga, pronto para zarpar.

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Juan Guaidó tinha 15 anos e se lembra muito bem da tragédia e do uso político em detrimento das vítimas.

A tática de queimar a imagem de Guaidó acabou gerando uma onda de memes na internet, num sinal de que muitos venezuelanos não apenas estão batalhando pela liberdade como conseguem manter o bom humor.

Diosdado Cabello, um homem fortíssimo do regime que faz Maduro parecer um lorde no modo brutal de falar, divulgou um vídeo feito num hotel de Caracas. garantindo que Guaidó é o homem alto e magro que aparece de boné e moletom com capuz, chegando para um encontro secreto apenas um dia antes de se proclamar presidente.

Da reunião, na qual supostamente prometeu que não faria o que fez, participou também Freddy Bernal, outro pilar do regime “roubolucionário”.

As redes sociais foram inundadas de memes imitando o suposto Guaidó de moleton com boné. Até cãezinhos de estimação entraram na farra.

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Detalhe: começaram a aparecer imagens de Guaidó com os óculos da mitagem  os mesmos usados pelos bolsonaristas para exaltar lacrações do capitão eleito presidente.

Por quê? Se o líder oposicionista realmente participou do encontro secreto e fez exatamente o oposto do prometido, passou a perna nos dois espertalhões do regime.

“Suponhamos que seja verdade. O que tem de mais? Oferecer saídas à gangue chavista faz parte de sua tarefa”, escreveu um cidadão em seção de comentários.

Guaidó também deu um trolagem, convidando Diosdado e Freddy a dialogar. “Estamos firmes. Os nervosos são eles”, disse. Sobre o suposto encontro, deu uma resposta ambígua: “Diosdado mente até quando diz a verdade”.

NOVOS VERDUGOS

Guaidó foi à missa em memória dos 29 mortos nos protestos e reforçou a missão de seus partidários no domingo: distribuir pessoalmente apelos a militares, com a promessa de anistia.

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O objetivo da anistia é “gerar governabilidade e avançar”, mas a oferta não é extensível às FAES, as Forças Especiais da Polícia Nacional, chamados de “novos verdugos” como responsáveis pelos atos mais brutais de repressão, inclusive nos bairros pobres que eram redutos do chavismo, mas agora estão aderindo aos protesto. Maduro participou de manobras militares.

Dirigindo-se diretamente aos militares, Guaidó falou como comandante-chefe e com o tratamento informal, mais raro em espanhol.

“Hoje te dou uma ordem: não dispare contra o povo da Venezuela, contra os que de maneira clara, constitucional, saíram para defender a família de vocês, o povo de vocês, o trabalho de vocês, o sustento de vocês. Hoje, soldado da Venezuela, eu te dou uma ordem: não reprimas manifestações pacíficas.”

A única, e isolada, adesão importante recebida pela oposição foi do adido militar em Washington, o magnificamente chamado coronel José Luis Silva Silva. Mas os quartéis  e os boatos  fervem.

Os dois extremos são, teoricamente, possíveis. Os militares desembarcam em números significativos do barco condenado do madurismo. Ou uma ala mais apavorada com a hipótese de perder tudo resolve prender Guaidó, um recurso não usado até agora por medo de provocar manifestações mais desesperadas ainda. Sem falar na repercussão internacional.

Preventivamente, John Bolton, o conselheiro de Segurança Nacional e articulador da reação antimadurista e do reconhecimento do oposicionista, avisou: “Qualquer ator de violência e intimidação contra o pessoal diplomático americano, o líder democrático da Venezuela, Juan Guaidó, ou a Assembleia Nacional, representaria um grave ataque à legalidade e será acompanhado de uma resposta significativa.”

Tudo que acontecer esta semana na Venezuela certamente será significativo. E como.

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