Peru: três presidentes em uma semana é só parte dos problemas
Como num círculo vicioso, políticos se transformam de acusadores em acusados e o caos institucional produz guinadas dramáticas

Desde 1985, todos os presidentes peruanos foram acusados, investigados, detidos, presos ou destituídos por corrupção.
A exceção, possivelmente por falta de tempo, foi Manuel Merino, acuado até renunciar apenas cinco dias depois de ser eleito pelo Congresso devido às duas mortes na repressão aos protestos pelo afastamento de seu antecessor, Martín Vizcarra.
Excepcionalmente, a construtora Odebrecht não está envolvida no caso mais recente, apesar de ter deixado marcas profundas na história da infâmia política peruana e até o modus operandi que levou ao nascimento espúrio do Clube da Construção.
Precisa explicar o que fazia? Os brasileiros já sabem.
De esquerda, direita ou centro, como o popular Vizcarra, os acusados de corrupção preenchem todas as categorias do espectro político
Vizcarra, afastado por “incapacidade moral permanente”, era o vice de Pedro Pablo Kuczynski, o um respeitado economista com carreira internacional que seria a salvação da tão esculhambada pátria peruana,
Hoje, aos 82 anos, PPK vive o mundo pós-renúncia está em prisão domiciliar. Coincide na condição e na idade com seu oposto total, envolvido em falcatruas e abusos quase inacreditáveis, Alberto Fujimori.
Ollanta Humala, um presidente da onda bolivariana, está em liberdade condicional. Alejandro Toledo disputa na justiça americana o pedido de extradição feito por autoridades peruanas. Alan García suicidou-se momentos antes de ser preso.
Acusar os acusadores – ou seja, os integrantes do Poder Judiciário que investigam as denúncias de corrupção- também é uma atitude conhecida no Brasil.
Mas o uso político das acusações é galopante e, em vários casos, pouco tem a ver com o desejo de instaurar a honestidade na administração pública. Políticos vão de pedra a telhado de vidro quase instantaneamente e nenhuma instituição escapa.
Em comum, as denúncias têm um aspecto muitas vezes surreal. Martín Vizcarra, o penúltimo presidente, foi acusado de favorecer com contratos manipulados um cantor chamado Richard Swing.
Swing ganhou uma quantia equivalente a 50 mil dólares para dar palestras motivacionais a funcionários do Ministério da Cultura, sem nunca ter tido nenhuma atividades no ramo.
O cantor, que mostra numerosas intervenções estéticas, tentou participar das manifestações contra a destituição de Vizcarra, mas foi expulso.
Apesar das evidências sobre o “caso Swing” e do estarrecedor número de 1 077 mortes por Covid-19 por um milhão de habitantes (no Brasil, dois níveis abaixo, são 859), Vizcarra vinha fazendo um governo com 60% de aprovação e sua destituição foi vista como uma manobra suja dos partidos de oposição que dominam o Congresso.
No ano passado, ele já havia sobrevivido a uma tentativa de destituição, chegando a fechar o Congresso.
Houve grandes manifestações de rua, pedindo o fechamento do “ninho de ratos” – o Congresso. A substituta interna de Vizcarra caiu fora.
Dessa vez, a violência na repressão aos protestos contra a destituição inviabilizou o governo de Manuel Merino, que deveria ser o presidente provisório até a próxima eleição, em abril.
A palavra golpe ecoou por todo o país, os novos ministros foram renunciando e Merino ficou sem saída. Durou cinco dias como presidente: foi eleito na terça-feira passada e renunciou no domingo.
Quando anunciou a renúncia, as ruas se encheram de gente comemorando, muitas com panelas na mão.
“Conseguimos. Viram só o que podemos fazer?”, tuitou o jogador de futebol Renato Tapia
“Dois jovens foram sacrificados absurdamente, estupidamente, injustamente pela polícia”, clamou Mario Vargas Llosa, a reserva moral do Peru, tendo já arriscado a reputação numa – felizmente para ele – fracassada candidatura presidencial trinta anos atrás.
O escritor propôs um nome neutro, independente, mas na reunião de emergência de ontem o Congresso não conseguiu definir quem será o presidente interino. Ficou para hoje.