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Perda total: governo Biden entendeu tudo errado no Afeganistão

Fracasso militar, político e de inteligência levou o Talibã a entoar o Corão no palácio presidencial de Cabul enquanto americanos fugiam em pânico

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 16 ago 2021, 10h15 - Publicado em 16 ago 2021, 09h03
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  • Joe Biden não construiu o longo histórico de erros que, ao longo de vinte anos, alimentou a ilusão de que o Afeganistão poderia ser “salvo”.

    Mas é de seu governo a responsabilidade pela espantosa e fulminante facilidade com que os talibãs tomaram o país inteiro, praticamente sem oposição – o que faz presumir que os barbudos fundamentalistas fizeram acertos políticos pelas costas dos americanos, culminando com a tomada do palácio presidencial já sem presidente, devidamente foragido.

    Deu tudo errado para os americanos, inclusive a avaliação grotescamente equivocada sobre o tempo que os talibãs levariam para chegar a Cabul e dar o xeque-mate.

    Essa conta vai diretamente pendurada na CIA, engordando um notório histórico de erros de avaliação.

    A sequência de erros obrigou o governo americano a parar de fingir que haveria uma transição relativamente honrosa, com prazo suficiente para uma retirada organizada de militares, diplomatas, agregados e funcionários afegãos com os quais os Estados Unidos têm o compromisso moral de salvar da inevitável retaliação.

    A movimentação apressada de tropas para dar cobertura à retirada a toque de caixa alimentou o clima de “os últimos dias de Cabul” – um filme que com toda certeza será feito, mas cujo desenlace ainda está longe de ser conhecido.

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    As informações erradas ajudaram o presidente americano a fazer o papel, simplesmente, de bobo enganado por sua própria turma. Apenas cinco semanas atrás, Biden dizia que era “altamente improvável” que o Talibã tomasse o país inteiro” e que não haveria uma “corrida apressada para a saída”.

    Na semana passada, diplomatas e funcionários estavam correndo apressadamente para queimar papéis e destruir matrizes de computadores. No fim de semana, passaram a correr pela própria vida, levados de helicóptero para o aeroporto de Cabul.

    A renúncia do diretor da CIA, William Burns, deveria estar hoje de manhã na mesa de Joe Biden, mas não é assim que funciona na prática.

    As decisões finais são, claro de responsabilidade do presidente. Durante décadas, como senador e vice de Barack Obama, Biden se tornou um profissional da política externa. Como pode se enganar tanto?

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    Todo mundo sabe que o caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções e Biden agiu com um impulso compreensível: com a pandemia e os trilhões que quer investir na retomada econômica (e, claro, na própria reeleição), estava mais do que na hora de fechar o capítulo de uma intervenção militar inevitável, para fumigar Osama Bin Laden e asseclas homiziados no Afeganistão, transformada numa “guerra sem fim”.

    A lição mais importante do Vietnã – não se enredar em missões que não têm começo, meio e fim – foi muito bem interpretada por George Bush pai quando invadiu o Kuwait para expulsar os invasores iraquianos e deu a missão por encerrada, com razão, sem cair na tentação de avançar mais alguns quilômetros e derrubar Saddam Hussein. 

    Bush filho enfrentou condições completamente diferentes, criadas pelo choque dos atentados de Onze de Setembro e deu início a uma missão – impossível – herdada por seus sucessores: justificar tanto dinheiro – mais de um trilhão de dólares –  e tantas vidas americanas, para não mencionar as afegãs, dedicando-se à criação de uma nação viável, com algum tipo de democracia e sem as barbaridades mais flagrantes de um país onde, mesmo sem talibãs, vigoram princípios tribais e fundamentalistas.

    É o “nation building”, a construção de entidades nacionais minimamente funcionais, uma prática tão temida quanto irresistível. 

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    Para justificá-la, a propaganda americana passou a enfatizar objetivos nobres como promover direitos fundamentais das mulheres, como poder estudar, sair sozinhas de casa e, em determinados círculos, usar apenas o hijab, o lenço na cabeça, em lugar da burka, a tenda de tecido que tudo encobre.

    Conhecendo muito bem os militares afegãos que treinaram e equiparam, os comandantes militares americanos também pressionaram os líderes políticos, especialmente na época de Barack Obama, para não encerrar operações e voltar para casa sem tentar impedir que acontecesse exatamente o que estamos vendo agora: a volta triunfal do Talibã.

    Críticos da condução tanto política quanto militar das operações no Afeganistão dizem que não houve vinte anos de guerra, mas vinte guerras anuais, tamanha a falta de de coerência e clareza.

    Um deles, o coronel da reserva Mike Jason, escreveu na Atlantic, baseado em sua própria experiência, que os americanos nunca conseguiram resolver os “problemas vexaminosos” das forças locais: “corrupção endêmica, moral no chão, uso generalizado de drogas, manutenção atroz e logística inepta”.

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    Quem foi culpado de que será um um longo debate. No momento, a situação é tão crítica que nem dá para ficar discutindo questões de fundo. 

    As cenas dos talibãs no gabinete presidencial ouvindo versículos do Corão sendo entoados foram extraordinariamente simbólicas, mas em questões de horas estavam superadas pelas multidões desesperadas correndo em volta de aviões militares americanos no aeroporto onde muitos haviam chegado a pé, tendo largado seus carros na estrada congestionada.

    “Os cidadãos de Cabul não devem ter medo”, declarou, ironicamente, um porta-voz do Talibã.

    As execuções já começaram e logo a bandeira branca do Talibã vai flutuar sobre a embaixada americana, que funcionava também como gigantesca central de inteligência. Joe Biden nunca mais se livrará dessa imagem poderosa.

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