“Acreditamos que os atos de Vladimir Putin prejudicam o futuro da Rússia e seus cidadãos”.
Dizer uma coisa dessas pode dar quinze anos de cadeia, mas 18 vereadores de Moscou, São Petersburgo e Kolpino colocaram seus nomes no abaixo-assinado que circula pelo Twitter.
A conta é de Xenia Torstrem, vereadora de São Petersburgo, e a mensagem é de uma simplicidade exemplar: “Pedimos a renúncia de Vladimir Putin ao cargo de presidente da Federação Russa”.
Xenia disse que qualquer pessoa pode aderir ao abaixo-assinado, que é “conciso” e não procura desacreditar ninguém.
É muito difícil que isso aconteça, mas que um punhado de políticos locais tenha tomado esta iniciativa reflete uma espécie de “despertar” provocado pela maior derrota russa em seis meses de guerra, a retirada desordenada de Kharkiv, com soldados roubando até bicicletas de moradores ucranianos para fugir.
As maiores críticas a Putin procedem do lado ultranacionalista, de fiéis defensores da invasão da Ucrânia que acham que o presidente está pegando leve. Diante do tamanho do desastre, difícil de disfarçar até com o métodos maximalistas da propaganda russa, eles defendem que Putin pare de pretender que tudo não passa de uma “Operação Militar Especial” e decrete uma convocação geral de recrutas para impedir o desastre na Ucrânia.
“Isso é uma guerra, não uma operação especial. Precisamos de uma mobilização geral”, disse o líder do Partido Comunista, Guenadi Ziuganov. Os herdeiros do partido que dominava a União Soviética são geralmente simpáticos a Putin, mas estão vendo que ele abriu um flanco de vulnerabilidade – e aproveitam para atacar.
Ziuganov fez uma análise com bisturi da situação atual: “Guerra e operação especial são coisas diferentes. Você pode desativar uma operação especial, mas não uma guerra. Esta só pode ter dois resultados: vitória ou derrota. Vencer no Donbas é uma questão de sobrevivência histórica para nós. Todos neste país deveriam avaliar de maneira realista o que está acontecendo”.
Putin pode ser acusado de muitas coisas, mas não de não ter uma visão realista. Então, o que está acontecendo com ele? Como pode ver o puro desmanche de um exército mais numeroso, mais poderoso, mais equipado e muito menos preocupado em evitar abusos e crimes de guerra?
É impossível que ele não veja que os ucranianos estão lutando mais e melhor, como atesta a contraofensiva que tomou a região de Kharkiv em apenas uma semana.
Até um dos mais obedientes correspondentes de guerra, Alexander Sladkov, deixou escapar numa transmissão pela televisão que as forças russas haviam sofrido “um número enorme” de baixas.
Com a tomada de cidades estratégicas como Izium e Kupiansk, foram cortadas linhas de abastecimento vitais para a região de Luhansk, uma das áreas do território fronteiriço chamado Donbas que a Rússia tem a “missão” de incorporar ao “mundo russo”.
“O esforço russo para tomar o Donbas já era”, resumiu Michael Kofman, diretor de um programa americano dedicado a estudos da Rússia.
O que parecia uma situação consolidada desde julho, quando forças ucranianas tiveram que bater em retirada, debaixo de artilharia pesada, da região de Luhansk, foi desconstruído. As imagens de soldados russos deitados de rosto no chão e mãos amarradas numa estrada podem não passar na televisão russa, mas fornecem um retrato bem realista para o alto comando.
“Se não houve mudanças hoje ou amanhã na condução da operação militar especial, eu serei obrigado a ir até a liderança nacional para explicar o que está acontecendo”, disse pelo Telegrama o líder pró-Rússia dos chechenos, Ramzan Kadirov.
“Eu não sou estrategista como o pessoal do Ministério da Defesa. Mas está claro que estão cometendo erros. Acho que eles vão tirar algumas conclusões”.
Um checheno dando lição de estratégia para os homens de Putin é uma cena quase tão inacreditável quanto a tomada de Kharkiv ou a humilhação de Putin diante de meros vereadores.